O novo Estado de
Moçambique foi configurado segundo o modelo marxista soviético, na mais pura
tradição das democracias populares. Assim o determinou o Comité Central da
Frelimo, que se constituíra como a suprema autoridade da nação. Uma minoria
impôs a sua vontade a nove milhões de pessoas sem um esboço de legitimação
democrática. O acordo Samora Machel-Melo Antunes tinha deixado em aberto a
possibilidade deste desfecho.
Vasco Gonçalves, que presidira à Comissão Diretora do MFA quando foi elaborado
o seu programa, traiu-o, quando, enquanto Primeiro-Ministro de Portugal
presente na cerimónia da independência, classificou, comovidamente, como
honrosa libertação de um povo, o que não passava de um processo neocolonial. Ao
rebaixar-se, pedindo servilmente perdão, quando abundavam motivos de orgulho,
desonrou a farda que vestira sem convicção. Paradoxalmente, saíram de Samora
Machel as palavras de enaltecimento dos que tinham sabido bater-se e de
desprezo pelos covardes. O guerrilheiro, ainda com memória dos seus tempos de
combatente, corrigiu o “general”. A persistente doutrinação marxista que o
envolvia acabou por converter aquela em servo dos novos senhores.
Ato contínuo iniciaram-se, sem qualquer discriminação, as perseguições
aos dissidentes ou, simplesmente, intelectualmente autónomos. Médicos,
advogados, engenheiros e professores fugiram como puderam, deixando um vazio de
que a população seria vítima. Sucederam-se as prisões arbitrárias; as vítimas,
transportadas em camiões de gado, foram tratadas brutalmente nos campos de
trabalho. Descoberta acidentalmente a infâmia, esta foi abafada nos meios de
comunicação social portugueses e internacionais. Estes, que denunciaram os
excessos da PIDE, calaram-se perante as incomparáveis monstruosidades cometidas
pela SNASP (Serviço Nacional de Segurança Popular).
Igualmente perseguidas foram todas as confissões religiosas. Os
islâmicos, habituados à cordialidade da administração portuguesa, na pessoa de
Baltasar Rebelo de Sousa, foram desrespeitados por Samora Machel, no templo da
Ilha de Moçambique, por se recusarem a aderir à ideologia marxista. Cristãos
ortodoxos foram também perseguidos, obrigados a fugir de templos, escolas e
hospitais, sob ameaça das armas dos milicianos da Frelimo. A maior chacina
ocorreu entre os cerca de 40 mil Testemunhas de Jeová, refugiados junto à
fronteira de Moçambique, na sequência da perseguição que lhes era movida pelos países
vizinhos. Acolhidos pela administração portuguesa que, conjuntamente com o
Malawi, lhes prestava assistência, foram obrigados, pela Frelimo, a cruzar a
fronteira para caírem nas mãos dos seus perseguidores. Cerca de 3 mil foram
assassinados sumariamente a tiro, à baioneta ou à pancada. A Igreja Católica
também não escapou à fúria frelimista, sendo acusada de reacionária. Quis-se
separar a Igreja de Moçambique do Vaticano e até de alteração da liturgia. O
bispo de Nampula, ativo frelimista do tempo colonial, foi impedido de pregar na
Catedral e proibido de sair do Paço episcopal.
Os bispos moçambicanos, que sempre encontraram fórmulas de criticar as
autoridades portuguesas e de as afrontar nos seus relatórios para Roma,
remeteram-se ao silêncio envergonhado. Os missionários espanhóis, defensores entusiastas
do seu povo cristão, desta vez mantiveram-se calados. D. Eurico de Noronha,
respeitado bispo de Vila Cabral - depois de Sá da Bandeira -, que se oferecera
para advogado dos padres marxistas do Macuti,
não fez ouvir a sua voz.
E quanto à Igreja Católica, porque se calou? Porque desapareceu a
coragem do Núncio Apostólico de Lisboa, sempre lesto a denunciar as
prepotências portuguesas? Porque se calou o padre Hastings, que denunciara do massacre de Wiryamu ao The Times londrino,
perante os comprovados genocídios ainda mais graves, que se cometeram em
Moçambique no processo da independência?
Quanto a D. António Ferreira Gomes, o célebre Bispo do Porto, fértil no apoio
às acusações contra a guerra colonial, porque não se lhe ouviu uma palavra de caridade
para com os cristãos vítimas da mais violenta perseguição dos tempos modernos?
Onde estiveram as cartas pastorais e as homilias versando “Paz e Justiça”?
Houve em tudo isto um silêncio cúmplice e uma vergonhosa falta de coragem, com exceção reconfortante do Arcebispo de Braga, Primaz das Espanhas, que, de acordo com a sua ímpar personalidade, disse o que havia a dizer.
Fonte: “Moçambique Terra Queimada”
(Jorge Jardim)
Peniche, 24 de Abril de 2021
António Barreto
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