O Legado de Pinto da Costa
Cheguei a pensar que a saída
de Pinto da Costa da presidência do Futebol Clube do Porto só
ocorreria quando Deus, ou o Diabo (Deus me perdoe), o chamassem.
Eufóricos com as sucessivas
vitórias, indiferentes às suspeitas de manipulação de jogos,
intimidados pelas ameaças da “milícia” protetora do Presidente,
convictos dos inevitáveis sucessos futuros, os associados foram
incapazes de criar alternativas de governo do seu clube.
Pinto da Costa dedicou a sua
vida a derramar um supremo e incontido ódio ao maior e mais
fascinante clube do país e do mundo, o Benfica, sem perceber as
causas de tal realidade.
Foi o momento em que o
futebol se revestia de romantismo, foi a alegria, o cavalheirismo, a
elegância e a arte de jogar e ganhar aos melhores e mais ricos
clubes da época, que fizeram do Benfica o que é; um clube,
respeitado e admirado em todo o mundo.
Pinto da Costa não percebeu
que a popularidade dum clube está associada à sua cultura. O ódio,
o medo, a vingança, a ostentação que propagou em todo o seu
consulado gerou bajulação, hipocrisia, ressentimento, mas nunca a
adesão de quem ama o desporto nem a sã convivência entre clubes e
adeptos.
Talvez incentivado por alguns
setores partidários, quis fazer do FCP um instrumento de aglomeração
da população regional, de fratura social, “esgravatando” um
fosso de hostilidade entre portugueses que se foi tornando cada vez
mais desconfortável. Arvorou-se em paladino e vingador de reais ou
imaginárias injustiças históricas de que o clube ou a cidade
teriam sido vítimas.
Presidente do maior clube da
cidade, com raízes familiares nas suas elites, Pinto da Costa,
assumiu o papel de líder político, da mesma e, por inerência, de
toda a região adjacente.
Aqui residia o seu poder, do
poder do FCP; na congregação de corporações económicas, sociais,
religiosas e políticas, bem como de instituições públicas,
administrativas e judiciais, regionais e até governamentais, em
torno do clube, pela causa regional.
Ainda não há muito tempo os
Conselhos, de Administração da SAD e Consultivo, eram uma
constelação de figuras notáveis da economia, da finança, da
academia, da Justiça, de corporações e institucionais!
Ao misturar desporto com
política, Pinto da Costa e seus apoiantes conseguiram o contrário
do que pretendiam; provocar um sentimento de hostilidade geral
relativamente ao clube e à ideia de regionalização.
A extrapolação foi uma
consequência inevitável; o ambiente de crispação, insegurança,
injustiça e de prepotente ascendente desportivo do FCP, gerou, entre
a população, receio no projeto político subjacente.
A estratégia de permanente
desafio, insulto e ameaça, prejudicou mais o objetivo da
regionalização do que décadas de centralismo administrativo e
político.
O Benfica era e é, o meu
clube, mas, tempos houve em que tal não me impediu de admirar outros
clubes; Sporting, Porto, Belenenses, Setúbal, Guimarães, Braga,
Cuf, Barreirense, Académica, etc, e os bons jogadores; Marinho,
Alexandre Batista, Peres, Keita, Yazalde, Damas, Hernâni, Futre,
Juary, Cubillas, Madger, Jacinto João, Tomé, Perrichon, Vítor
Campos, Gervásio, Maló, Vítor Manuel, Matateu, José António,
etc, etc..
Vibrei com a vitória do
Sporting na Taça das Taças e na primeira vitória do Porto na Taça
dos Clubes Campeões Europeus, contra o Bayern! Com orgulho, como se
tivesse sido o meu Benfica! Isso hoje não é possível e muito se
deve ao ambiente criado entretanto no desporto, no qual Pinto da
Costa e seus apoiantes e instigadores, tiveram papel determinante.
Parece que o fracionamento social do país é do interesse de certos
quadrantes político-partidários.
Foi esse o legado do agora
ex-Presidente do Futebol Clube do Porto; a par de um conjunto de
vitórias do seu clube envoltas em suspeitas, muito contribuiu para a
descrença e hostilidade geral no desporto, onde já ninguém
acredita em nada, onde o comum espetador tem, frequentemente, a
impressão, de que os resultados dos jogos e competições foram
combinados nos bastidores, em função de incertos e “superiores”
interesses! Tal o descaramento!
Por fim, não menos
importante, ficou, junto da população, em geral, um ambiente de
desconfiança e descrença no projeto da regionalização, que impede
e contamina o importante e salutar debate do tema.
Quando Fernando Gomes
anunciou a saída da SAD, percebi que algo poderia estar em marcha.
Quando Madureira e seus acólitos foram presos, a ideia
consolidou-se. E, surpreendentemente, confirmou-se com as eleições,
deixando no ar a ideia de condicionamento de eleições anteriores
pela inefável claque, agora, finalmente, ao que parece, desativada.
Não sei o que fará Pinto da
Costa, mas conhecendo-lhe o caráter, receio bem que, nos bastidores,
continue o seu nefasto contributo de fomento de guerrilha no
desporto. Pode até ser mais perigosos por falta de escrutínio
público.
Quanto ao novo Presidente, o
seu incontido ódio ao Benfica, publicamente proclamado, deixa-me
sérias reservas na sua ação futura.
Porém, tendo granjeado algum
prestígio no exterior, provavelmente desprovido da inserção social
e de determinação, comparável ao seu antecessor, tenho alguma
esperança que ocorra uma descrispação do ambiente e, finalmente,
de alguma paz no desporto.
Quem sabe se não voltarei a
ter orgulho nos rivais do meu querido clube, com quem aprendi a
respeitar a arte do futebol, e do desporto em geral, donde quer que
ela venha.
Peniche, 1 de Maio de 2024
António
Barreto