Retirei este texto da net quando pesquisava acerca do trotskismo agradecendo desde já ao autor cujo consentimento julgo implícito.
Quando ví que, na Wikipedia, a entrada "Trotskismo" estava marcada como "esboço", decidi escrever o resto do artigo (embora eu já não me considere "trotskista"). Como a Wikipedia pode ser mudada a qualquer momento, não faço a mínima ideia de como o artigo está agora. Este texto é o que eu escrevi (a parte a vermelho é o que já estava escrito):
O trotskismo é a doutrina do revolucionário russo Leon Trotski, que consiste em defender o marxismo-leninismo, combatendo a burocracia no Estado Operário que se fortaleceu com a ascensão de JosefStálin ao poder em 1924 na URSS. Dos pontos do marxismo-leninismo, Trotsky trabalhou e teorizou a respeito da Revolução Permanente, sua principal divergência com Stalin, que defendia a tese conhecida como "socialismo em um só país" oposta a sua Teoria da Revolução Permanente que defendia a expansão da revolução para além das fronteiras da URSS. No final de sua vida, Leon Trotsky fundou a IV Internacional, que após sua morte não conseguiu levar adiante a luta do seu fundador. Hoje, as diversas correntes políticas que se reivindicam trotskistas têm alguma origem na IV Internacional.
A teoria da "Revolução Permanente" baseia-se na ideia do "desenvolvimento desigual combinado". Segundo esta tese, quanto mais atrasado é um país, mais evoluída é a parte mais desenvolvida da sua economia! O raciocínio, aparentemente contra-intuitivo, é de que, se um país se começa a industrializar tarde, irá adoptar as industrias mais modernas existentes na altura, logo, a pouca indústria que terá será altamente desenvolvida. P. ex, um país que só recentemente tenha começado a ter ligações telefónicas, terá, em quantidade, poucos telefones, mas esses poucos telefones, em média, serão mais sofisticados que os telefones de um pais que já tenha um sistema telefónico há várias décadas, já que as poucas pessoas que compram telefones irão comprar os telefones que se produzem hoje em dia.
Tal levaria a que, em países semifeudais, a burguesia capitalista, mesmo sem ainda ter derrubado a nobreza, já está em conflito com o proletariado, porque, como a pouca indústria existente é das mais modernas, os conflitos entre patrões e trabalhadores tendem a assumir os mesmos contornos que nos países desenvolvidos (lembremo-nos que Trotsky elaborou esta teoria no principio do século XX, uma época em que, nos países industrializados, a luta entre "proletários" e "burgueses" estava na ordem do dia). Assim, a burguesia local estaria entre dois fogos: por um lado, continua submetida ao Antigo Regime, o que a poderia levar a posições revolucionárias (como a burguesia europeia ocidental dos séculos XVIII e XIX); mas, por outro, já sofre a pressão dos trabalhadores, o que a leva a posições conservadoras (como a burguesia europeia ocidental do século XX). Segundo Trotsky, quanto mais tarde um país conhecesse o seu arranque industrial, mais conservadora seria a sua burguesia local, já que o medo ao proletariado seria mais forte que a sua oposição à nobreza. Além disso, ao contrário da Inglaterra de 1688, da América de 1776 ou da França de 1789, já não existiria uma vasta classe de pequenos e médios artesãos e comerciantes que pudesse fornecer a "mão-de-obra" para uma revolução burguesa (devido à modernização do sector industrial, o único "povo" disponível nas cidades são mesmo os operários).
É aqui que entra em cena a "Revolução Permanente": segundo Trotsky, a burguesia já não é capaz de fazer a sua própria "revolução burguesa", tendo que ser o proletariado a encarregar-se disso (afinal, quem se revoltou contra o czar em 1905 e em Fevereiro de 1917 foi o proletariado de Sampetersburgo). Mas, sendo o proletariado a fazer a "revolução burguesa", este não se contentará com o programa "liberal-burguês" (i.e, a abolir a monarquia absoluta, liquidar o feudalismo, etc.), e irá logo começar a pôr em prática o "programa socialista" – assim, a revolução é "permanente", já que, pela sua própria dinâmica, tenderá a evoluir para posições cada vez mais radicais (no caso russo, a revolução começou por ser democrática e republicana e, em poucos meses, tornou-se socialista – aliás, o PREC português teve uma dinâmica semelhante).
Mas, o que acontece se a revolução socialista triunfar num país semifeudal (de acordo com o cânone marxista, ainda não maduro para o socialismo)? A resposta que os trotskistas dão é que, num caso desses, a revolução só se manterá se tiver a ajuda de revoluções socialistas vitoriosas em países desenvolvidos – assim, a revolução deve ser "permanente", não só no aspecto do aprofundamento, mas também do alargamento. Se uma revolução socialista acontecer num país subdesenvolvido e não se expandir a países desenvolvidos, tenderá a "degenerar". Porquê?
A explicação dessa "degenerescência" está noutra tese trotskista, a da "degenerescência burocrática das organizações operárias": a "exploração capitalista" estimula o desenvolvimento político do proletariado (já que o leva a lutar contra o sistema, e por isso a criar sindicatos, partidos, etc.) mas retarda o seu desenvolvimento cultural (já que a pobreza e/ou a submissão a um trabalho embrutecedor tenderão a "embrutecer" também o espírito do trabalhador). Tal leva a que, nas organizações operárias de massa, tendem a surgir "dirigentes profissionais" ("burocratas", no jargão trotskista), que acabam por ser os verdadeiros chefes, enquanto que os elementos de base (devido ao tal "embrutecimento espiritual") se remetem, na maior parte do tempo, a uma posição passiva, em que se limitam a pagar quotas e a seguir as ordens da "Direcção" (no fundo, transferem para a organização operária os hábitos de submissão à hierarquia a que estão habituados na empresa capitalista).
Ora, num país pobre (como a Rússia em 1917), o "desenvolvimento cultural" do proletariado será ainda mais diminuto, pelo que no "Estado Operário" irão (tal como nos sindicatos e partidos operários) também surgir os tais "burocratas". Aliás, segundo os trotskistas, a longo prazo, só há dois caminhos possíveis – a burocratização do Estado ou o desaparecimento gradual do Estado: ou a pobreza e o atraso cultural mantêm-se, impedindo o proletariado de poder assumir efectivamente a gestão do Estado; ou, pelo contrário, a sociedade vai evoluindo, tornando mais fácil a tal "gestão do Estado pela simples cozinheira", mas, ao mesmo tempo, tornando também o Estado menos necessário, já que, havendo menos escassez de bens, haverá também menos necessidade de um aparelho repressivo (ou seja, quando for possível um Estado 100% democrático, em que todos participem em plena igualdade nas tomadas de decisão, já nem sequer será necessário um Estado).
Assim, nos "Estados Operários" (sobretudo se forem muito atrasados à partida), há duas tendências em confronto: por um lado, há a tendência para os burocratas irem concentrando o poder nas suas mãos e remeterem as massas a uma situação passiva; por outro, a elevação gradual do nível de desenvolvimento económico e cultural (e, se possível, o triunfo de revoluções operárias no estrangeiro) tenderá a estimular a participação popular e a enfraquecer o aparelho estatal. Desta forma, a "construção do socialismo" não é um processo mecânico e linear (como, frequentemente, está implícito em muitos "estalinistas"), mas um caminho com avanços e recuos, em que a vitória só estará assegurada com a criação de uma sociedade comunista à escala mundial e com o desaparecimento do Estado (até lá, há sempre o perigo de uma contra-revolução burocrática).
Além disso, a relação entre a burocratização e desenvolvimento é bilateral: tal como o atraso estimula a burocratização, também esta prejudica o desenvolvimento – segundo os trotskistas, a única alternativa eficiente ao mercado é a "democracia operária". P.ex, se for um patrão privado a organizar o trabalho dentro de uma empresa, tenderá a adoptar os processos de trabalho mais eficientes (para maximizar o lucro); se for uma Comissão de Trabalhadores a fazer isso, também tenderá a adoptar os processos de trabalho mais eficientes (para os trabalhadores fazerem mais facilmente o seu trabalho); se for gerida por um burocrata não-proprietário, não há nenhum incentivo para escolher os melhores métodos de trabalho. Outro exemplo: a questão "O que produzir?" – como assegurar a ligação entre os que as empresas produzem e as necessidades dos consumidores? No capitalismo, tal ligação faz-se pelo mercado; na "democracia operária", através da participação das organizações de trabalhadores e consumidores na elaboração do plano económico (Trotsky chegou a dar o exemplo de um sistema em que os cidadãos pudessem escolher entre o "partido do carvão" e o "partido do fuelóleo"); já no sistema burocrático, em que a planificação é feita, não pelas organizações populares, mas por comités de "especialistas", não há maneira de assegurar que o plano corresponde às necessidades efectivas da sociedade (a respeito disso, Trotsky escreveu que "a democracia, mais que uma necessidade política, é uma necessidade económica"). Desta forma, quanto mais poderosos forem os burocratas, mais atrasada será a sociedade (o que, aliás, acabará por tornar os burocratas ainda mais poderosos).
Logo, se uma revolução proletária triunfar num país atrasado e não receber o auxílio de revoluções em países desenvolvidos, o poder da burocracia atingirá dimensões consideráveis, podendo chegar a um ponto em que já não é possível lutar contra a burocratização dentro do sistema, sendo necessária uma nova revolução operária para restaurar o poder dos "Conselhos de Trabalhadores" (segundo Trotsky, esse ponto de não-retorno – a que ele chamou o "Thermidor", por analogia com a Revolução Francesa – teria sido atingido na URSS em 1927). Por outro lado, se a nova revolução operária não ocorrer, o que irá acontecer será uma "contra-revolução social": a ineficiência económica do sistema burocrático e o desejo dos burocratas consolidarem a sua posição (passando de "administradores" a "donos") irá levá-los a restaurar a propriedade privada dos meios de produção e o capitalismo.
Desta forma, a opinião dos trotskistas era que os regimes do Bloco de Leste ("estados operários burocraticamente degenerados") seriam "regimes transitórios", intrinsecamente instáveis, estando à beira de serem derrubados, ou por uma "contra-revolução social", que restaurasse o capitalismo; ou por uma "revolução politica", que derrubasse o poder dos burocratas e do Partido Comunista e instaurasse a democracia dos "Conselhos de Trabalhadores", em moldes multipartidários (no entanto, diga-se que os trotskistas só começaram a defender o multipartidarismo nos anos 30, depois de terem sido expulsos do PC – até lá, limitavam-se a defender o "direito de tendência" dentro do PC)
Muitos dissidentes do trotskismo (Bruno Rizzi em Itália, Max Schachtmann nos EUA, Tony Cliff em Inglaterra, Cornelius Castoriadis em França, etc.) criticaram esta tese, argumentando que os burocratas eram, para todos os efeitos, como se fossem proprietários, já que eram os "donos" do Estado e, portanto, indirectamente, da economia (logo, já não teriam necessidade de restaurar o capitalismo) – um dos mais célebres defensores desta tese foi o escritor George Orwell (nalguns aspectos, muito próximo do trotskismo), que a expôs nos seus romances "O Triunfo dos Porcos" e "1984". Curiosamente, muitos ex-trotskistas americanos que seguiam esta linha acabaram saltando da extrema-esquerda para a direita, dando origem ao movimento neo-conservador.
O colapso de 1989 não resolve a questão: se a tese trotskista do "regime transitório" estivesse correcta, provavelmente esses regimes teriam caído muito mais cedo (uns meses antes de ser assassinado, Trotsky escreveu que, se o regime estalinista sobrevivesse à II Guerra Mundial, seria necessário rever as suas teses, coisa que os trotskistas não fizeram; nos anos 50, a sua viúva, Natália Sedova, abandonou o movimento trotskista, afirmando que não se podia continuar a chamar os países de Leste de "Estados operários"); mas, por outro lado, a uma escala histórica, até foram relativamente breves (60 anos, no caso da URSS, 45 nos países satélites), pelo que também é difícil dizer que a tese trotskista estivesse errada.
Desde a morte de Trotsky que os trotskistas têm-se dividido em facções rivais: entre as principais, temos o "Secretariado Unificado da IV Internacional", o "sucessor oficial" da IV Internacional de Trotsky (representado em Portugal pela APSR de Francisco Louçã); o "Comité Internacional da IV Internacional", originado por grupos que, nos anos 50, abandonaram o "Secretariado", por recusarem a politica então adoptada de infiltração nos Partidos Comunistas (representado em Portugal pelo POUS de Carmelinda Pereira); a "Liga Internacional dos Trabalhadores", predominantemente latino-americana, que abandonou o SU por não concordar com o apoio deste aos sandinistas da Nicarágua (representada em Portugal pela Ruptura/FER de Gil Garcia); o "Congresso para uma Internacional Operária", ligado ao antigo grupo britânico "The Militant" (representado em Portugal pela "Alternativa Socialista"); a "União Comunista Internacional", ligada ao grupo francês "Lutte Ouvriére", etc.
Têm sido propostas várias explicações para este fraccionismo constante: os trotskistas frequentemente afirmam que é apenas uma consequência da reduzida expressão do trotskismo (num partido minúsculo, os oposicionistas têm pouco a perder em saírem do partido e criar um novo); os estalinistas afirmam que a culpa está na organização democrática dos partidos trotskistas (ao reconhecerem o direito de tendência, estão a criar o embrião das cisões); há até quem diga que é uma questão de psicologia individual: sendo uma ideologia, simultaneamente, anti-capitalista e anti-estalinista, o trotskismo tenderia a atrair indivíduos com espírito de rejeitar as opiniões dominantes, logo, propensos a cisões…
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