Em Macau, onde me desloquei para fazer
uma conferência sobre direitos fundamentais e reforma penal, é fácil
apercebermo-nos da força do Direito português. No seio de uma civilização
milenar e de um país em crescimento económico acelerado, cuja população representa
um quinto da Humanidade, sente-se uma influência efetiva do nosso Direito
Penal.
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A pena de morte, encarada como um
instrumento indispensável da política criminal pelas autoridades chinesas, é
absolutamente proibida na Região Autónoma de Macau. A República Popular da
China leva essa proibição muito a sério, não procurando iludi-la com um sistema
de transferências expeditas dos arguidos para outras partes do seu território.
Invocando o exemplo de Macau, um professor
de Direito da Universidade de Shantou, no Sul da China, defendeu, num artigo de
jornal, a abolição da pena de morte: "É impossível dissociar o nosso país
da maré global", escreveu Liu Guofu, acrescentando que, "nos círculos
académicos, especialmente no campo jurídico, o apoio à abolição da pena de
morte se tornou a tendência dominante".
Portugal foi o primeiro país a abolir a pena
de morte, na Reforma Penal de 1867. A última execução em território nacional
ocorrera 21 anos antes, em Lagos. Ribeiro dos Santos é considerado o primeiro
abolicionista português, ao ter defendido que a pena de morte era desnecessária
e inconveniente, num artigo publicado no Jornal de Coimbra em 1815.
Num texto entusiástico de 1876, Victor
Hugo saudou assim a nossa decisão: "Está pois a pena de morte abolida
nesse nobre Portugal, pequeno povo que tem uma grande história. Felicito a
vossa nação. Portugal dá o exemplo à Europa. Desfrutai de antemão essa imensa
glória. A Europa imitará Portugal. Morte à morte! Guerra à guerra! Viva a vida!
Ódio ao ódio".
Hoje, a Constituição portuguesa consagra a
inviolabilidade da vida humana, proíbe a pena de morte e impede a extradição
por crimes a que corresponda a pena de morte. Este regime não obsta, porém, à
realização da Justiça, uma vez que o Estado português se obriga a julgar e a
punir os factos sempre que forem considerados crimes à luz da nossa lei.
Aquela passagem do Talmude, evocada em ‘A
Lista de Schindler’ (e aplicável, com inteira propriedade, a Aristides Sousa
Mendes), segundo a qual "quem salva uma vida, salva o mundo inteiro",
também vale para o Direito. Com todos os seus defeitos e limitações, o Direito
português salvou toda a Humanidade em cada execução que "convolou"
numa pena diferente.
Coluna segundo as regras do Acordo
Ortográfico
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