Operação Tridente: (pág. 74)
“…Este movimento, se
bem que tecnicamente bem executado, custou-me a morte do 1º grumete Manuel dos
Santos Barraca.
Imediatamente, da linha inimiga se destacaram alguns vultos que,
rastejando habilidosamente, tentaram ultrapassar os poucos metros que nos
separavam a fim de se apoderarem do corpo e respetiva arma, o que seria um bom
troféu de propaganda. Quase simultaneamente lançaram-se para a frente o
sargento Manuel da Costa André e o marinheiro Domingos António Botelho em
direção ao camarada caído, indiferentes ao chuveiro de balas que granizava
abundantemente, apenas preocupados em socorrer o irmão de armas. E, qual sólido
roble, com uma G3 debaixo de cada braço, o grumete Abrantes Pinto, de pé e
completamente a descoberto cobria o avanço do André e do Botelho com o fogo das
suas armas! Tudo se passava a escassos metros de mim, que, apesar das minhas
funções de comandante me obrigarem a abarcar toda a zona de ação, não pude
deixar de observar com um misto de espanto e orgulho o gesto daqueles homens.
Quando alcançaram o Barraca e iniciaram a sua evacuação, o Botelho foi atingido
mortalmente e caiu redondo no chão. Então, a minha gente, espontaneamente, sem
necessidade da mínima ordem, carregou energicamente e estabeleceu o perímetro
de forma a incluir o local onde estavam os dois camaradas mortos e o sargento
André que não recuava um centímetro. Não fiz mais do que os acompanhar,
extremamente grato pela sua coragem.”
(página 155)
Com o apoio tácito do Senegal e a
aquiescência de Oliveira Salazar às teses defendidas pela UNGP, em 11 de Agosto
de 1962 é enviada à Guiné uma missão chefiada pelo secretário de Estado do
Ultramar, Silva Cunha, para se encontrar uma plataforma de entendimento. Porém,
à última da hora, quando a delegação se encontrava já em Bissau, chegou ordem
de Lisboa para se suspenderem todas e quaisquer conversações. A UNGP viria a
ser dissolvida em 1963, ao deparar-se com o recuo de Salazar quanto à sua
decisão inicial de apoio ao movimento e a recusa de entabular negociações. A
decisão do Presidente do Conselho em suspender a iniciativa prendeu-se com a
criação da Organização de Unidade Africana (OUA), que passou a reconhecer os
movimentos ditos independentistas como os legítimos representantes dos povos
das “colónias” portuguesas e votou o governo de Portugal ao ostracismo.
(pág. 162)
(Amílcar Cabral, Palavras de
ordem Geral, cap. V) :
“Agir prontamente e com a maior severidade contra a tentativa de
deserção e contra os desertores …O desertor ou os que tentam desertar devem ser
desarmados, presos, julgados e punidos…A partir de agora, o desertor individual
ou o responsável ou responsáveis principais duma deserção coletiva devem ser
presos e condenados à morte. Se conseguirem fugir devem ser liquidados lá onde
se encontrem!”
(Alpoim Calvão):
E agora senhores desertores? Consciência tranquila? Nem o tecnicamente não
desertor Manuel Alegre escapava à pena de morte se lhe tivesse sido aplicada
esta justiça do PAIGC às suas actuações Argelinas!
Sei que muitos antigos combatentes do PAIGC não têm consideração
nenhuma por estes senhores. Antes admiram homens como o António Lobato que, em
sete anos e meio de cativeiro, soube resistir a todas as pressões, inclusive do
próprio Amílcar Cabral, para assinar um papelinho em que declarasse ser contra
a guerra dita colonial. Assinatura essa que lhe valeria a liberdade imediata e
transporte para qualquer país europeu. Senhores compatriotas deste Portugal de
quase nove séculos! Quem escolhem: o poeta Alegre ou o major Lobato? Honro-me
de chamar amigo a este Português de Lei…
Transcrevo ainda Cabral: “Levar a ação armada, com urgência aos meios
urbanos…bombardear mesmo as praças das vilas e cidades…”
Na escola de quadros situada na Guiné-Conacri, em palestras aos
dirigentes, Amílcar Cabral afirmava: “Dar um tiro a um tuga no caminho ou
emboscada é um ato político de primeira grandeza.” Para um amigo do Povo
Português não deixa de ser uma afirmação interessante.
(Pág. 169):
As praças começaram a refilar,
dando sinais de um evidente descontentamento, qua acabou por degenerar em
contestação aberta e num movimento semelhante à greve, atentatório dos mais
elementares princípios da disciplina militar, com a recusa em sair das
instalações dos famigerados bunkers para
comparecer às formaturas, aos serviços, etc.
Reconhecia Alpoim Calvão que a
proteção superior dos abrigos tornava a vida dos homens infernal. Mas
movimentos contestatários não os tolerava e resolveu o assunto com o argumento
que utilizava sempre com grande sucesso quando todos os outros se revelavam
ineficazes. Entrando no alojamento das praças mais recalcitrantes, berrou com
voz forte de comando, de quem não admite sequer a mais pequena hesitação:
- Saem todos imediatamente e formam lá fora. Quem não quiser vai jogar
à bofetada comigo. Depois estão à vontade.
Todos obedeceram e o incidente
ficou sanado.
(Pág. 183):
Horas depois, o ruido surdo de um
motor alerta os fuzileiros para uma embarcação, logo identificada como sendo do
PAIGC.
De armas aperradas, quando os
fuzileiros sentem que a embarcação está à distância de lhes não poder escapar,
largam com os botes do seu ancoradouro e arrancam a toda a velocidade ao mesmo
tempo que o comandante Calvão grita em francês ordem para parar as máquinas. A
recusa em obedecer veio através do crepitar das armas ligeiras pelo que, sem
hesitar, os fuzileiros lançaram-se ao assalto. Calvão, no afã da abordagem,
acaba por ver-se forçado a largar a sua G3, mas isso não o detém e sequer o faz
hesitar. Já a bordo, envolve-se em violenta luta corpo-a-corpo com o timoneiro do navio que prontamente
elimina e é com a arma arrancada ao inimigo, uma Simonov russa, que continua a combater. Sem demora, o reduzido
grupo de fuzileiros aniquila todos os focos de resistência e toma o controle da
embarcação. Foi um dos momentos mais marcantes da carreira militar de Alpoim
Calvão, que ainda hoje, passados que são tantos anos, guarda a arma que
capturou nesse combate.
(Pág. 184):
…É pois naquele ponto perdido no
meio do mar que foi deixado o comandante Calvão, sem ter necessidade de
qualquer armamento já que se encontrava muito longe de terra. Sucede porém que
aquela era uma posição recentemente cartografada, pelo que apenas se encontrava
assinalada nas cartas náuticas. Nas da Força Aérea nada constava e para as
aeronaves aquele ponto nada mais era do que mar imenso. Assim, os helicópteros andavam
a sobrevoar toda a costa da Foz do Cacine, não podendo supor que o seu objetivo
se encontrava naquele baixio tão distante. Entretanto, como o resgate demorava,
a maré que inicialmente se encontrava na baixa-mar começa a subir e a restinga
a ficar submersa, pelo que o comandante se ia aproximando cada vez mais do farolim.
A certa altura, e já com os pés molhados, nada mais lhe resta senão começar a
subir pela estrutura, mas quando olha para cima, percebe que não está sozinho: uma
enorme jiboia encontrara no farolim um refúgio seguro e, enroscada no seu topo,
observava atentamente o recém-chegado. A um e a outro resta apenas a partilha
do espaço, cada vez mais exíguo devido à subida das águas. Uma espera que teria
sido interminável não fosse a iniciativa do piloto de um dos helicópteros, que
alargara o raio de busca…
(Pág. 189)
…Assim, o grande objetivo preconizado por “A Solução do Problema da Guiné” (autoria do General Spínola) resumia-se a duas linhas de força:
-
Acelerar a promoção económico-social da Província em equilíbrio com a promoção
sociocultural das populações autótones tendo em vista eliminar as causas da
subversão;
-
Ganhar o tempo necessário e assegurar o
espaço vital para se atingirem em tempo útil os objetivos primários da política
nacional.
A conclusão deste documento não
deixa margem para qualquer dúvida, ao afirmar perentoriamente:
“O tempo corre a nosso favor na medida em
que formos concretizando os objetivos socioeconómicos,
que anulam as razões básicas da subversão. Portanto, caminhamos para a vitória
final e esta encontra-se perfeitamente ao nosso alcance.”
…A doutrina com que, entretanto, Amílcar
Cabral incentivava os quadros do PAIGC assentava em apregoar os malefícios do
colonialismo e as virtudes da luta de
libertação, bem expressas nas “Palavras de Ordem Gerais”, um opúsculo que o
Secretariado-Geral do PAIGC editara e difundira em Novembro de 1965.
O pensamento de Cabral aí
exposto, com a apregoada conceção humanista do seu autor a ser desmentida a
cada parágrafo, fazia a apologia da violência e do ódio, incitando à destruição
de tudo aquilo que os portugueses haviam construído, mesmo que fossem os frutos
de uma ação benéfica para o povo guineense:
“…A definição do Povo depende do momento que se vive na terra.
População é toda a gente, mas o povo já tem que ser considerado em
relação à própria história. Mas é preciso definir bem o que é o povo, em cada
momento da vida de uma população. Hoje na Guiné e em Cabo Verde, povo da Guiné
ou Povo de Cabo Verde, para nós, é aquela gente que quer correr com os
colonialistas portugueses da nossa terra. Isso é que é o povo, o resto não é da
nossa terra nem que tenha nascido nela. Não é o povo da nossa terra, é a população
da nossa terra mas não é povo.
…Portanto, a maior parte do nosso povo é nosso Partido. E quem mais
representa o nosso povo é a direção do nosso Partido. Que ninguém pense que lá
porque nasceu no Pico da Antónia ou no fundo do Oio, ele é mais povo do que a
direção do nosso Partido, mentira.
…Portanto, aqueles que têm amor pelo nosso povo, têm amor pela direção
do nosso Partido. Quem ainda não entendeu isto, não entendeu nada ainda.”
(Pág. 192)
“…Certo dia reparou que no livro
do DFE 8 se encontrava lançado um registo assinado pelo imediato da unidade, o
segundo-tenente Sanches de Oliveira, em
que ele referia ter dado ordens a um grumete para abrir um buraco no chão e que
este se negara, afirmando que não era para ser cavador mas sim fuzileiro que tinha vindo para a
Guiné.
“…Chamei o imediato e perguntei-lhe:
- Olha lá e tu o
que é que fizeste?
- Oh comandante -
respondeu o “Sueco” - ele não quis ir…
- Não podemos dar
uma ordem e permitir que eles não a cumpram. Eles têm de cumprir a ordem seja
lá de que maneira for.
- Mas comandante,
eu já não sabia bem como fazer…
Eu vou-te mostrar como é que se faz. Chama lá
o grumete. E veio o grumete. Então eu disse ao imediato:
-
Agora procede como fizeste da outra vez.
E assim foi. O imediato mandou buscar a enxada.
- Agora o que é
que disseste ao Grumete?
Sem esperar resposta, entreguei-lhe a enxada e disse ao grumete:
- Faz o que o
imediato te mandou e abre o buraco.
Ele não quis dar o braço a torcer e alegou:
-…ai…eu…não sei
quê…!
-Olha lá, tu tens
que cumprir as ordens, abre o buraco!
Renitente continuou a dizer que não abria. Eu então tirei-lhe a enxada
das mãos e parti-lhe o cabo nas costas e disse:
- Agora, com o
resto da enxada, abre o buraco!
E ele, imediatamente começou a abrir o buraco. Virei-me então para o imediato
e disse-lhe:
- É assim que tens
de fazer. Dás uma ordem (legítima), tens de a fazer cumprir.
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