Enquanto
se ultimavam os preparativos da operação “Torpedo”, Alpoim Calvão tem
conhecimento de que no rescaldo dos granéis (incidentes) do Copolim, dois marinheiros
se encontravam sob prisão nas Instalações Navais de Bissau (INAB). Eram dois
corrécios, cujos nomes de guerra não deixavam margem para dúvidas, atestando
bem o caráter daqueles homens: “Tarzan” e “Mil Diabos”. E quando pergunta se
está tudo pronto para embarcar, o oficial de serviço às INAB, segundo-Tenente
Salgado Soares, informa comprometido:
- Há dois elementos que dizem que não vão
porque estão presos e não podem nem querem ir.
- Mais do que
ninguém esses homens têm que ir - responde peremtóriamente Calvão.
Tinham
sido eles os causadores de toda aquela situação, era inaceitável ficarem agora
de parte. Constata, no entanto, com alguma surpresa, que tanto dos oficiais do
destacamento como do oficial de serviço às INAB, não havia grande empenho em
fazer os homens mudarem de decisão. Assim, vai ele próprio tratar do assunto.
“Resolvi pessoalmente fazê-los embarcar. Chamei o oficial de serviço para ir
comigo e levar a chave para abrir a porta. Entrei na prisão e lá dentro, não
disse nem bom dia nem boa tarde nem boa noite, a primeira coisa que faço, é
tirar os galões dos ombros, entrega-los ao oficial de serviço e dizer:
-
Meus amigos, fazem favor venham daí que
vocês têm de ir à operação. Vocês fazem parte do destacamento e têm de ir. E,
não fossem estar distraídos, acrescentei:
- Ah, e se querem discutir comigo eu já
estou sem galões nos ombros…
Bom, eles lá perceberam qual era
o tipo de discussão a que me referia, e eu preparei-me para qualquer
eventualidade, mas eles caíram em si e lá resolveram seguir para a operação:
-Comandante, a gente vai, mas…
- Não há mas nem
meio mas! Vocês vão e pronto!
E foram. Mandei chamar o
comandante do destacamento e disse-lhe que os dois homens também iam na
operação e levavam o morteiro 81 às costas, um carregava o prato e outro o
tubo. Assim sucedeu e a coisa correu bem.
(tratava-se da preparação da
operação “Torpedo”, atribuída a título de castigo ao DFE7 - Destacamento de
Fuzileiros Especiais N.º 7 - por violação das ordens do Governador por parte
daqueles fuzileiros, que visavam o bom relacionamento e proteção das populações
locais. Esta operação consistia no desembarque e “varrimento” da ilha do Como,
suposto santuário dos guerrilheiros do PAIGC)
Pág. 201:
(O navio motor “Bandim” fora
capturado aos portugueses pelos guerrilheiros do PAIGC na sequência de uma emboscada
na subida sem escolta, no rio Cacine e, em Maio de 1963, sendo a partir daí
vital para reabastecimento da guerrilha)
Extrato do relatório de Alpoim
Calvão de 7 de Março, da operação de neutralização do navio motor “Bandim”
(pág. 203):
…Às 19.10 começou-se a distinguir no azimute
070 o ruído dum motor que se foi avolumando e pelas 1930 avistou-se, a cerca de
200 metros a silhueta do N/M Bandim que levava somente uma pequena luz acesa na
casa do leme. Mandou-se arrancar com os motores tendo os botes largado quase
simultaneamente com ligeiro atraso do bote n.º 2, cujo motor demorou mais tempo
a pegar. O bote n.º 1 colocou-se nos setores de popa do Bandim, enquanto o n.º
2 seguia a ocupar uma posição no través de EB. O bote n.º 1 fez tiro de LGF
88.9 a 150 metros de distância, tendo-se o rebentamento verificado muito perto
do alvo, enquanto se abria fogo de MG 42.
O Bandim respondeu
com fogo de armamento ligeiro automático, guinando acentuadamente para a margem
da REP. GUINÉ.
Entretanto
continuou-se a fazer fogo de bazuca, obtendo-se um impacte em cheio ao 3º tiro,
manobrando os botes rapidamente, procurando manter uma posição desfasada de
90º, em relação ao objetivo.
Da posição 10º 54’.6
N 15º 02’.03 W, a oeste da VILA de KADINE, verificaram-se muitas tracejantes de
metralhadora antiaérea - calculadas em número de seis – na direção aproximada
do local do contacto, mas passando bastante altas. Desse mesmo ponto, foi feito
tiro de artilharia ou de morteiro de grande calibre, em vários azimutes, ouvindo-se
um total de 20 rebentamentos, uns curtos outros compridos, revelando uma certa
desorientação. Simultaneamente e a N desta posição, já na nossa ILHA de
CANEFAQUE, fez fogo uma metralhadora pesada, com tiro tracejante, ao lume de
água, bastante mais ajustado. Da canoa referida anteriormente, foi feito fogo
de PPSH, sobre os botes, tendo contudo retirado rapidamente da zona de contacto.
O combate com
BANDIM continuou, obtendo-se outro impacte de LGF, que obrigou o alvo a começar
a navegar em círculo., acabando por penetrar num esteiro, encalhando
profundamente na posição 10º 56.1’ N 15º 00.6’ W, e desaparecendo da nossa
vista. Perseguiu-se o BANDIM por dentro do esteiro, obtendo-se novo impacte de
LGF, aproximando-nos a cerca de 10 metros para o lançamento de granadas de mão.
Do tarrafo foi feito fogo de arma automática, a que se respondeu com rajada de
MG 42, abordando-se o navio.
Logo que se
penetrou no N/M BANDIM, foram encontrados vários indivíduos mortos –
posteriormente veio-se a verificar que eram seis -, dois dos quais junto à
entrada da casa da máquina e da casa do leme.
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O fogo foi lançado
por meio de uma granada de mão defensiva, lançada para o interior da casa das
máquinas. O BANDIM começou a arder lentamente e só, quando os botes alcançaram
o meio do rio Inxanxe, se verificou uma explosão surda, seguida de altas
labaredas. Quando se alcançou o R/V
(rendez-vouz) ainda se distinguia nitidamente o clarão do BANDIM.
…O marinheiro “Setúbal” foi um dos cantores à força: “O regresso foi difícil porque não dávamos
com o patrulha. Então, resolveu mandar-nos cantar explicando-nos que o som
junto à água se propaga mais depressa. Ainda tentei resistir, mas era
impossível, todos tínhamos que cantar, não havia exceções. Ele desatou a cantar
a Samaritana, depois óperas, e só descansou quando por fim, bastante tempo mais
tarde, lá vimos a luz do patrulha e viemos embora.
(o local do RV era um cabeço no
meio do rio, onde os fuzileiros aguardaram o patrulha)
(continua)
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