José António Saraiva
e
Salazar
Invulgarmente
culto, sereno, cartesiano, preciso, sem rodeios, subterfúgios nem
hipérboles, José
António Saraiva dissecava com eficácia as matérias de que se
ocupava.
Ao
saber do seu
falecimento, olhei
à minha volta.
Dois passos. Quase em
frente um dos seus livros sobre
Salazar: “A Queda
de Uma Cadeira Que Não Existia”.
Terminei agora a leitura. Gostei.
O
título é o objeto. Desconfiou
da tese corrente,
segundo a qual Salazar morrera em consequência dos ferimentos na
cabeça devido à
queda duma
cadeira, no terraço do Forte de Santo António, no Estoril.
Preparava-se
para ler o jornal frente
ao oceano. Tal
cadeira nunca apareceu e a descrição que dela foi feita - cadeira
de realizador de cinema
-, não condizia com a das fotos usada habitualmente.
Investigou
e comparou os testemunhos das pessoas próximas, na ocasião; a
governanta, o barbeiro, o massagista, o
enfermeiro, o médico
pessoal, outras.
Descobriu indícios de
acidente ocorrido na residência oficial de São Bento umas
semanas antes. Durante
o banho de imersão, Salazar terá caído e batido violentamente com
a cabeça no rebordo da mesma.
Ocultando
o facto, por o considerarem impróprio, indício de degenerescência
física do ditador, e
ultrapassável, a
poderosa governanta, Maria
da Luz, terá inventado
a história da cadeira, aparentemente menos polémica. E é verdade
que há demasiadas contradições nos testemunhos.
Eduardo
Coelho, médico pessoal de Salazar, diagnosticou hematoma subdural.
Vasconcellos Marques, anti-Salazarista convicto,
subscritor do MUD nas eleições de 1949, ex-pugilista e o melhor
cirurgião neurológico da época, discordou,
considerou
tratar-se de um AVC. Discutem.
Maria
da Luz tem medo. Não quer um médico da oposição. Contra vontade,
Vasconcellos e a sua equipa operam Salazar após
discussão com Eduardo Coelho.
Confirmou-se
o hematoma. Acreditou-se
na recuperação. Que aconteceu.
Salazar estava
curado,
pensaram. Preparou-se
a alta.
Fevereiro,16,
13 30, depois do almoço. “Estou
muito aflito. Ai meu Jesus”,
exclamou
Salazar, caindo inanimado sobre a poltrona. É um
AVC no hemisfério
direito - o hematoma fora no hemisfério esquerdo -,Vasconcellos,
egoistamente,
suspira de alívio; a sua reputação estava salva
. Era
o fim.
Tom
Gallagher, no seu livro, “Salazar, o Ditador que se Recusa a
Morrer”, refere que, a certa altura do seu internamento, Salazar
terá murmurado algo como: “E
agora, para onde me irão enviar? Não tenho para onde ir”.
Filho
de caseiro, seminarista, Salazar encarou a seu envolvimento na esfera
pública como uma missão divina para
salvar Portugal.
Recusou casar-se com a Carolina Asseca, viscondessa de Asseca e
condessa de Anadia, para se dedicar inteiramente ao governo do país.
Não
era misógino, discretamente, tinha os seus encontros femininos,
mas foi
Christine Garnier a
sua autêntica paixão, por sinal, correspondida. O
marido desta divorciou-se
ao ler a correspondência entre eles.
Os passeios pela quinta do célebre duque de Palmela, as visitas ao
convento que lá se encontra, parecem revelar envolvimento íntimo.
Por
ocasião da II GM Salazar foi um gigante ao
opor-se às pretensões
de Churchill
e Roosvelt de
ocupação militar dos Açores. O
estatuto de neutralidade assim o exigia. Terá respondido ao
americano que, em caso de ataque, Portugal defenderia os Açores com
todas as suas forças.
Sobre
o fim da venda de volfrâmio aos alemães, exigido pela Inglaterra, o
homem de Santa Comba, nunca cedeu. Defendia, disse, os muitos
milhares de portugueses que dependiam disso. Aceitou, sim, fornecê-lo
igualmente ao velho aliado. E quando o desfecho da guerra se
avizinhou, deixou de fornecer ambos.
Com
a diplomacia ágil de Pedro Teotónio Pereira convenceu Franco a
optar pela neutralidade de Espanha evitando
uma nova frente de combate aos
aliados, e a, mais que certa, invasão de Portugal.
Considerou
que a derrota da Alemanha e da Itália, tal
como ocorreu, tornaria
inevitável o avanço do comunismo na Europa. Algo
que não entendi
bem.
Dele
disse Thomaz
Jefferson “Embora V.V.
não sejam um regime democrático como nós o concebemos, as vossas
relações connosco são excelentes e ninguém hoje vos ataca porque
o Dr Salazar com o agudo sentido das realidades que sempre tem
revelado, veio manobrando com tal habilidade política que não há
hoje, internacionalmente, a menor reserva para com Portugal.
Pio
XII:
Abençou-o-o, Salazar de todo o meu coração e faço os mais
ardentes votos para que possa levar a bom termo a obra de restauração
nacional tanto material como espiritual.”
Eisenhower:
“De todos os estadistas europeus com quem conversei Salazar
parece-me o mais lúcido e avisado.”
Dean
Acheson:
“Não restam dúvidas de que se trata do governo de um só homem, e
que não há lá outro homem como ele. O mais provével é que, se
Salazar morrer, ou perder os seus poderes, Portugal volte à confusão
de onde o arrancou.”
Robert
Schumann: “Salazar
não é apenas um exemplo, é uma fonte de inspiração.”
Marcello
Mathias: “Gulkbenkian considerava Salazar um “homem genial” e
todos os anos lhe enviava cheques de cem ou duzentos contos para
ajudar os pobres.”
No
final da guerra Salazar estava exausto, profundamente deprimido,
disposto a abandonar o cargo. Os seus apoiantes, ou dependentes
políticos, com Marcello Caetano à cabeça, não deixaram. Christine
Garnier,
tirou-o da
profunda depressão em que encontrava.
Marcaram-se
eleições, constituiu-se o MUD (Movimento de Unidade Democrática),
que desistiu. Ganhou a UN (União Nacional). Carmona foi reeleito,
vindo a falecer dois anos depois.
Porém,
tirei uma dúvida; Salazar era, ou não fascista?
Acreditava
na hierarquia de capacidades, de competências, e isso não é
consentâneo com o conceito de igualdade prevalecente nas democracias
atuais. Não era um democrata. O falhanço do liberalismo do século
anterior, dissuadira-o das virtudes desse regime político.
É
verdade que Salazar não cultivava comportamentos públicos
característicos dos fascistas do século XX; o culto da
personalidade, a participação nos grandes públicas,
nas grandes paradas militares, as obras de fachada, discreto, deixava
as inaugurações para os outros enquanto
estudava novos projetos.
Enfim,
inteligente,
brilhante, culto, corajoso, não
era um monarca mas agia como os do Antigo Regime; era um discreto
absolutista, capaz
de ser tolerante mas
não
admitia
dissidência.
E
era fascista, sim. Sem exuberância, mas era fascista.
Segundo
Paulo Otero, o fascismo caracteriza-se pela subordinação dos
direitos individuais aos interesses do Estado. E era esse um dos
pilares do Salazarismo. Os
interesses do Estado eram
definidos
pelo partido do regime, a UN (União Nacional).
Curiosamente,
a recente crise da covide, impôs aos cidadãos os interesses do
Estado definidos pelo partido que sustentava o Governo de então.
Peniche,
22 de Março de 2025
António
Barreto