Desporto

quinta-feira, 25 de abril de 2024

25 de Abril em 2024

 

25 de Abril em 2024



Poucos sabiam o que estava a suceder. Percebeu-se a queda do regime quando correu a notícia do sequestro de Marcelo Caetano no quartel do Carmo. A dúvida e o medo, entre a população, atenuou-se com a passagem simbólica do poder para o General Spínola, cuja fama de guerreiro e patriota se instalara entre a população.


Anunciou-se a Liberdade, simbolizada nos cravos vermelhos; o fim de todos os constrangimentos coletivos e pessoais. Tudo parecia possível! Uma onda de esperança varreu o país de lés a lés; os mais céticos rendiam-se, ao novo desígnio.

O espaço mediático inundou-se de canções esperançosas, cujas estrofes ainda povoam o imaginário de quem as ouviu; “E Depois do Adeus”, um convite à reflexão metafísica; “Grândola Vila Morena”, o paradigma do poder popular; “ Liberdade” onde o autor, a certo passo, em jeito de promessa e aviso, diz que não há liberdade a sério enquanto não houver, a paz, pão, habitação, saúde, e educação para o povo.


Tudo o que tinha sido negado pelo anterior regime seria uma realidade futura, graças à instauração de qualquer coisa que ainda não sabia bem o que era. Nesta ideia radicava a esperança, reiterada, sucessivamente, pelos novos protagonistas político-militares do país e pelos encómios internacionais ao êxito da Revolução”. Uma ideia, cega, indefinida, abstrata, mas real, que calou bem no coração dos portugueses.


A esperança deu lugar à euforia e esta ao desvario; com o incentivo e participação de ativistas políticos desarticulou-se a administração pública e o aparelho económico; ocuparam-se repartições, empresas e propriedades agrícolas e urbanas.


Paralisaram-se escolas, universidade e empresas - muitas das quais entraram e autogestão e falência -, a anarquia instalou-se nos transportes públicos. Insegurança, incerteza e turbulência social, instalaram-se no país. Por toda a parte velhos ressentimentos pessoais, sob o pretexto dejustiça social” clamavam por vingança.


Era o tempo dos saneamentos, da caça aos “fascistas” - os novos “hereges” -, das denúncias e prisões arbitrárias, dos mandatos de prisão assinados em branco pelo “herói” do momento, o estratega” do golpe militar, o futuro alegado mentor e fundador do grupo terrorista conhecido por FP25.


Finalmente, 53 anos após a fundação do seu partido, os comunistas portugueses tinham a sua revolução Leninista, cuja simbologia se apressaram a imitar; a chegada triunfal à estação de Santa Apolónia e a a comemoração da vitória em cima de uma chaimite.


O reconhecimento do direito dos dos povos à autodeterminação, consignado no Programa do M.F.A, foi transformado, pelos proeminentes dirigentes partidários e militares da época, em reconhecimento do direito dos povos à autodeterminação e independência.


A prometida e “indispensável” consulta às respetivas populações ou aos seus “indiscutíveis” representantes foi considerada desnecessária pelo eminente jurista, ex-Secretário de Estado de Salazar, chefe do partido mais perseguido e violentado da época, considerado, então, e atualmente, fascista; Freitas do Amaral.


Para a negociação dos “indiscutíveis representantes” dos povos, foram, não eleitos, à boa maneira democrática, mas, segundo o método Estalinista, designados pelos novos protagonistas político-militares, entre os dirigentes dos grupos de guerrilheiros em confronto militar com Portugal. E quando os não houve, “inventaram-se” como foram os casos de São Tomé e de Timor.

O mesmo “eminente jurista” - que, mais tarde, então Vice-Presidente dum Governo Provisório, ante a queixa de alta-traição, apresentada em Tribunal, contra aos principais agentes da descolonização exemplar”, declararia que a classe política - ou o Governo -, jamais consentiria num julgamento, que só à História caberia fazer -, contra a expetativa das promessas do M F.A e de outros políticos (Almeida Santos) - de respeito pela vontade das populações -, perante a estupefação dos próprios militares, declarou, do “alto da sua cátedra” e da sua “imensa” cultura democrática, desnecessário esperar pelas eleições para avançar com a descolonização.


E esta fez-se, entregando “de mão-beijada”, após um simulacro de negociações - em Lusaka, em Alvor e em Argel -, os territórios ultramarinos, num ambiente de humilhação para o Governo de Portugal e de vexame para as FAP.


Desnacionalizaram-se centenas de milhar de portugueses transformando-os em párias. Abandonaram-se as populações à sua sorte, desarmando-as e ordenando a passividade das Forças Armadas - que, de braços cruzados, assistiram aos massacres e enxovalhos de Portugal e dos portugueses. Recorreu-se ao eufemismo Retornados para esconder a verdadeira condição de Refugiados dos que tiveram que fugir à morte, abandonando décadas de trabalho.


A prova de que o respeito pela vontade das populações nunca esteve no horizonte dos líderes políticos de então, está no caso de Timor, em que a respetiva população foi abandonada, apesar de, reiteradamente, ter afirmado a vontade de continuar a viver sob a bandeira das quinas.


Quem pode orgulhar-se disto? O Mário Soares!

Em defesa da pátria do ultramar, entre Março de 1961 e Abril de 1974, morreram 4788 portugueses de todas as cores e raças, enquanto que na Grande Guerra (e nas duas frentes) morreram 7908 (do livro A Vitória Traída)”


“ E com a “descolonização exemplar”? Não está feita a estatística, mas só em Timor se fala em 90000! E em Angola mais de 100000!”


“Houve largas centenas de milhares de mortos e de vítimas de violações e torturas!...e cerca de milhões de refugiados!”


“Segundo O Tempo de 4/3/76, o país gastou 178 milhões de contos em defesa do Ultramar e e despendeu 172 milhões de contos com a sua entrega - e só até àquela data!”


“Segundo Pompílio da Cruz, no livro Angola - Os Vivos e os Mortos…, os portugueses deixaram em Angola, em investimentos privados e públicos, 1 bilião e duzentos milhões de contos! Com Moçambique e o restante Ultramar, a perda rondará os 2 biliões de contos!


Guiné: centenas de “comandos” fulas foram desarmados e entregues ao PAIGC, sabendo-se perfeitamente que iam ser trucidados por terem defendido a pátria comum, sob o comando de Carlos Fabião – o próprio que, depois, os entregou à morte, sendo Encarregado do Governo.”


“Angola: Ainda a província era Portugal e já estava ocupada por soldados cubanos….A independência deu-se a 11 de Novembro de 1975 e no Verão desse ano o exército cubano desembarcou em Angola. Quem autorizou esse desembarque? Quem autorizou que os aviões escalassem as Lajes? Quais os responsáveis que colaboraram com os cubanos e os apoiaram? Costa Gomes negou o facto numa entrevista – mas O Diabo replicou: “Costa Gomes mente”.


“Moçambique: Disse Samora Machel em Nampula ainda antes da independência: “Enfrentamos generais portugueses corajosos como Caeiro Carrasco e Kaúlza de Arriaga”, que nos teriam derrotado. Mas, não queremos em Moçambique depois da independência, esses oficiais e soldados que se renderam cobardemente, nem sequer defenderam aquilo porque morreram tantos dos seus.”


Com a coragem que é seu apanágio, o prof. António José Saraiva escreveu num artigo publicado no Diário de Notícias em 26/1/79:

“Os militares, sem nenhum motivo para isso, fugiram como pardais, largando armas e calçado, abandonando portugueses e africanos que confiavam neles. Foi a maior vergonha de que há memória depois de Alcácer Quibir.””


É disto de que devemos orgulhar-nos no 25 de Abril?


E Hoje?

Temos eleições por sufrágio direto e universal - o lado bom - num modelo representativo que favorece os maiores partidos, a liberdade de expressão condicionada mercê de subterfúgios vários, a liberdade de acesso às profissões e de mobilidade espacial cada vez mais restrita, o aparelho judicial disfuncional, onde a promiscuidade salta à vista, a população refém das corporações de que depende o Estado Social, uma Administração Pública paralisante e insaciável devoradora de recursos, uma dívida pública e privada comprometedora do desenvolvimento futuro, uma classe política que reserva os melhores cargos públicos para os seus e uma população angustiada com sucessivos e sobrepostos complexos de culpa; políticos, ambientais, coloniais, económicos, sanitários, etc. etc.


Quanto aos slogans de Abril, 50 anos depois:


“A Paz”: Não havendo já guerra colonial vivemos em permanente estado de quase guerra civil, com o nosso modo de vida ameaçado, não se podendo, pois, afirmar, que alcançámos a paz.


O Pão”: Com cerca de dois milhões de pobres e outros tantos no limiar de pobreza, há demasiada gente com fome.


“Habitação”: Seja por arrendamento, seja por aquisição de casa própria, está cada vez mais inacessível ao comum dos cidadãos, asfixiado em impostos, num contexto de perseguição aos proprietários e agravamento contínuo dos custos de construção.


“Saúde”: Gratuita e acessível a todos, de Jure, mas não de facto, com os mais pobres resignados ao SNS, e os restantes compelidos a subscreverem planos de saúde privados.


Educação”: à massificação do ensino sucedeu a degradação da qualidade do mesmo e a escassez de empregos no setor privado, esmagado por insana regulamentação, e condicionada pelo preconceito e pesada fiscalidade.


Tudo isto num contexto de regressão demográfica - em que a taxa de reposição é muito inferior é necessária para manutenção do contingente populacional atual -, de elevada taxa de emigração, que só encontra paralelo nos anos 60 do século XX e no século XIX, de modulação cultural, com a introdução acelerada do “wokismo” e de negação dos valores cristãos - e de empobrecimento relativo do país face aos seus parceiros europeus.


Não é séria a comparação do Portugal de hoje com o de há 50 anos, cuja economia, desde os anos 50, crescia a ritmo galopante - incluindo as das províncias ultramarinas, em especial de Angola e de Moçambique.


Ninguém, honestamente, é capaz de dizer que o país ficaria, económica e politicamente estagnado. e que a integração europeia não seria uma realidade. Afinal, o processo de adaptação das economias do espaço português - metrópole e ultramar - era objeto de negociação com a CEE.


Para cumprir Abril, falta-nos mais democracia, mais desenvolvimento e mais liberdade, o que só é possível com partidos, políticos e corporações vinculados ao interesse nacional e sem os privilégios próprios do Antigo Regime.


Créditos:

- Os Descolonizadores e o Crime de Alta Traição à Pátria. Ulisseia. Silvino Silvério Marques, Luís Aguiar e Gilberto Santos e Castro.

- Livro negro do 25 de Abrol – FP editor. José Dias de Almeida da Fonseca. Citações.

- As Causas do Atraso Português – D. Quixote. Nuno Palma.




Peniche, 25 de Abril de 2024

António Barreto


sábado, 20 de abril de 2024

O Benfica e o Circo

 

O Benfica e o Circo



Apesar da fantástica época anterior e dos muitos milhões investidos em jogadores, a presente época, prestes a terminar, contra todas as expetativas, revelou-se um rotundo fracasso para o clube.


Surpreendentemente, com as saídas de Grimaldo e de Gonçalo Ramos, a equipa perdeu a dinâmica que a caracterizara e a capacidade concretizadora, realidade confrangedora que perdura e, tudo indica, perdurará até final da época.


O enorme esforço da Direção para compensar aquelas saídas e melhorar a competitividade da equipa, revelou-se infrutífero.


Na baliza, com a contratação de Trubin, pretendeu-se eliminar as deficiências no jogo aéreo, nas saídas e no jogo de pés reveladas pelo Odysseias; depois de um início promissor, a realidade nua e crua, hoje, é que não há melhorias em nenhuma dessas valências.


Para colmatar a falta de Grimaldo contratou-se Risic, Jurasek, Lhorant e, por último, o Alvarez; ainda om boas expetativas relativamente a este, todos os outros se revelaram rotundos fracassos.


Com fama de goleador chegou, de Itália, Artur Cabral. Recuperada a forma física, as qualidades que foi demonstrando, de força, remate e cabeceamento, não convenceram o Treinador, que, esporadicamente, o foi utilizando.


Do Santos veio Leonardo, rápido, rematador, determinado, com sentido de baliza. Apesar de concretizador nos jogos iniciais, foi também remetido para o banco de suplentes.


Tengstedt, rápido e laborioso, que transitara da época anterior, foi-se definindo como aposta preferencial, apesar de fraca capacidade concretizadora demonstrada.


Também de Itália veio mágico Di Maria, jogador que todos - no Benfica - adoramos, e que se afirmou como peça fundamental da equipa.

Apesar do, aparentemente indiscutível bom plantel, no final da época a equipa revela os defeitos que tinha no início.


Uma equipa incapaz de aprender com os próprios erros, não tem sustentação para aspirar a grandes feitos.


Na baliza permanecem as lacunas já apontadas, no jogo aéreo - as fatais defesas para a frente da baliza -, nas saídas e no jogo com os pés.


Incompreensivelmente continua a insistir-se no relançamento do jogo a partir da baliza na zona da área, com passes laterais, algo que já provocou graves dissabores à equipa, sem que tal refletisse qualquer alteração no processo.


Na esquerda defensiva, prevaleceu a aposta na adaptação de Aursness, sempre generoso mas sem a rotina do lugar, perdendo-se um extraordinário elemento para a zona central do meio-campo.


Na frente apostou-se nos avançados móveis; na velocidade de Rafa, na mobilidade de Tengstedt e no génio de Di Maria.


Acima de tudo, nota-se uma tremenda falta de articulação dos vários setores; indisciplina na ocupação dos espaços e dinâmica coletiva coerente.


Há dificuldade em jogar pelas alas, e quando ocorre algum lance junto há linha final, não há gente na área para finalizar. Isto foi assim desde o início da época!


Frequentes passes falhados, falta de intensidade na disputa dos lances, reação passiva à perda de bola, sobretudo no processo ofensivo, ausência quase total de meia-distância e jogo aéreo, apesar de inegáveis períodos de bom futebol, conferem à equipa uma irregularidade e pervisibilidade - demasiada depenência do astro Di Maria -, que é a sua imagem de marca esta época.


Roger Schmidt, pessoa admirável no trato, educado, cordial, hostilizado pelos tradicionais comentadores da praça desde o início, tem revelado aversão à mudança, incapacidade de ler e intervir no jogo no momento próprio, incapacidade de perceber e motivar os seus jogadores.


Por outro lado, a Direção não se poupou a esforços financeiros, mas não foi capaz de fazer as escolhas certas. Sabe-se hoje que Grimaldo teria ficado se os seus anseios tivessem tido acolhimento. E teria valido a pena.


Pelo meio, prescindiu-se do contributo de um jogador possante, talhado para os grandes jogos, que fazia golos com os dois pés e com a cabeça, Musa.


De tudo isto mais o que se observa na BTV, o Benfica, às vezes, parece-me uma feira de vaidades, uma espécie de circo, onde a palavra de ordem é comemorar e festejar o passado, onde há demasiados protagonistas fascinados com a proximidade às estruturas do clube, incapazes de fazer análise crítica, excessivamente preocupados em enjoativos encómios ao poder do momento.


Na vertente institucional, o pedantismo emerge da postura de sistemático silêncio, face às arbitrariedades das equipas de arbitragem, dos Conselhos de Justiça e Disciplina, da Liga, da Federação e até de alguns governos; não sei se por medo se por patético sentido de responsabilidade de defesa do futebol português.


O certo é que ninguém consentiria que o clube beneficiasse das facilidades que têm sido concedidas ao Sporting!


Estando no horizonte a centralização dos direitos desportivos, com envolvimento direto do governo anterior, não tenho dúvidas de que, as manobras de desvalorização do clube irão intensificar-se, com o propósito de reduzir a “fatia do bolo” a atribuir ao Benfica.


Afinal, é o que tem acontecido, pelo menos desde os anos oitenta, e ainda recentemente, com os contratos com a MEO, onde Sporting e Porto, mais uma vez, com recurso a subterfúgios patéticos, faturaram mais que o clube encarnado.


O futuro do Benfica constrói-se com inteligência e firmeza, com correção mas sem medo do confronto, com o trabalho e o talento de todos, com menos festas e devaneios dionisíacos, com mais “caldeira e menos bandeira”.


E quem não pode, arreia!



Peniche, 20 de Abril de 2024

António Barreto


domingo, 3 de março de 2024

O Fracasso do 25 de Abril

 

O Fracasso do 25 de Abril



Salvo um ou outro caso, os candidatos a Primeiro Ministro para as eleições de dez de Março, são um desastre; uns, desacreditados por cinquenta anos de envolvimento governativo do respetivo partido, outros, por um ativismo ideológico persistente, insano, de rua, corporativo, étnico, induzindo roturas económicas, sociais, culturais e identitárias.


Em cinquenta anos de pseudo-democracia, depois da turbulência comunista dos primeiros tempos, da penúria subsequente, da expansão económica pós adesão à CEE, assistimos, desde a entrada no euro, ao empobrecimento relativo do país, asfixiado em impostos e corrupção, carente de ideias de desenvolvimento económico, de tolerância política e social, de diálogo franco, de liberdade plena, cujo povo se resignou ao alastramento da pobreza e aos despudorados privilégios da nova classe política.


Alguns atuais “notáveis”, tal como os aristocratas absolutistas e os obscuros eclesiastas, dum passado não muito remoto, já se consideram, e às respetivas famílias, detentores duma legitimidade sobrenatural, que todos devemos aceitar em nome do divino “desígnio”.


Não há, nem nunca houve unanimidade quanto ao 25 de abril. Demasiada gente sofreu, e ainda sofre, com os acontecimentos subsequentes. Gente que não pode, não deve, não devia, ser ou ter sido ignorada.


Há uma ferida, uma chaga na sociedade portuguesa, uma dor de consciência, surda, amordaçada, amedrontada, mas avassaladora, que ficará para a História como uma grande mancha de ingratidão e cobardia para com todos os que foram perseguidos, expulsos, abandonados, espoliados, torturados, presos, agredidos e assassinados.


Sem justiça, não há, não haverá reconciliação.


Tudo isso foi subalternizado, justificado como inevitável consequência do derrube do “fascismo”, e até como castigo das vítimas pelo alegado envolvimento - ou complacência -, com o anterior regime.


A ocultação da realidade não a suprime, nem às suas consequências.


Em abril de 74, uma espécie de embriaguêz inundou o espaço público dominado pelos novos protagonistas, regressados, como heróis, dos seus exílios dourados, contagiando a população.


Tudo foi prometido, tudo era possível!


“A paz, o pão, saúde, habitação”, “ O Povo é quem mais ordena”, o “Direito à indignação”,...etc., etc..


Uma onda de esperança varreu o país de lés a lés e contagiou grande parte da população. Eu acreditei!


A outra parte, calou-se com medo de ser ver privada do fruto de décadas do trabalho abnegado, à vezes arriscado, duma vida sóbria e austera, com que contava para salvaguarda do seu futuro e dos seus filhos.


Tudo foi prometido, mas tudo foi posto em causa. Ninguém estava seguro!


Uma falsa paz, uma paz podre, sobreveio à malfadada guerra colonial.


Cinquenta anos depois, ante a desilusão dos atuais candidatos à liderança do Governo, pergunto-me o que sucedeu aos homens - e mulheres - bons.


Porque não aparece, na esfera partidária, gente culta, competente, tolerante, com história de vida reconhecida pela comunidade, dedicada ao interesse geral, ao progresso económico e social e pacificação do país?


Não falta, em Portugal, gente para o efeito, porém, paradoxalmente, algo de perverso sucedeu que os mantém afastados da esfera da governação.


Antes de mais. No âmbito dos partidos, o critério da lealdade política prevalece sobre qualquer outro.


Gente digna não está disposta a sujeitar-se aos enxovalhos do quotidiano político, à devassa da vida privada, aos “assassinatos reputacionais” e à exposição pública das respetivas famílias.


Quando um regime político não tem o talento de atrair os melhores à causa pública.


Quando um regime político permite que determinados partidos se arroguem de legitimidade outra que não a democrática.


Quando um regime político, incapaz de assumir as suas incapacidades, se conforma com a pobreza e ameaça os cidadãos da espoliação dos seus bens, considerando-os, implicitamente, roubados.


Quando um regime político sobrevive à custa de fundos comunitários, de endividamento - cativação de rendimentos futuros - e de impostos exacerbados, insaciável, prometendo sempre o que sabe que não pode cumprir, é porque falhou.


E quando tal sucede reiteradamente, é porque algo de muito errado se verifica na sociedade portuguesa, ou na natureza da própria democracia.


Talvez haja falta de cultura democrática na comunidade em geral e na classe política em especial.


Cultura democrática: a capacidade de respeitar o outro.


Talvez algo tenha que mudar na arquitetura da democracia para evitar que uma corja de meliantes tome conta dos destinos da Nação em proveito próprio.


Talvez a lei eleitoral deva ser modificada para evitar a morte da democracia e das liberdade.


Talvez seja o tempo de os “homens bons”, os que, silenciosamente, com talento e abnegação, mantêm o país vivo, se fazerem ouvir.


Talvez seja o tempo de a “boa moeda afastar a má moeda”.


Os bolcheviques lsusitanos

Peniche, 03 de Março de 2024

António Barreto


domingo, 11 de fevereiro de 2024

Macaquices no Reino de Lilipute

 

Macaquices no Reino de Lilipute


Rezam as crónicas do burgo imaginário, que um tal “macaco” foi detido pelas autoridades locais para averiguações, na sequência dos incidentes ocorridos na cerimónia de apresentação das candidaturas à presidência do clube local de tiro ao arco, o célebre Protossáurio alado.


Pirolasséx, o célebre chefe da macacada, já não conseguia disfarçar a fraca penugem das, outrora, possantes asas, nem a progressiva perda de olfato e do efemento sonar que o tornaram célebre num passado já longínquo.


Vylannosaurus, que, durante muitas luas, viajara por distantes paragens, regressara, de penugem farta e reluzente, disposto a disputar o ceptro por que ansiava desde o momento da partida.


O destino chamava-o, anunciando-lhe o fulgurante trilho das estrelas, todos os gloriosos feitos que o tornarão inesquecido, até ao fim dos tempos, no reino Protossáurio.


“Macaco”, na verdade um jovem brachiosaurus, que todos pareciam temer, não podia consentir na queda de Pirolassex, receoso da emergência de uma inssureição e do termo do seu domínio.


Foi então que, seguro da sua histórica impunidade, solenemente, publicamene, prometeu devorar todos aqueles e aquelas que apoiassem Vylannosaurus, o herege, que se recusara a obedecer ao velho Pirolaséx, ameaçando-o de solitário desterro.


Staurikosaurus, o chede dos polícias de todos os saurus, desta vez não podia ignorar tal afronta à autoridade do reino de Lilipute.


Lilipute, sim, era um pequeno e inofensivo reino onde os liliputianos mais ilustres podiam enriquecer sem se esforçarem muito e sem sentirem grandes constrangimentos morais ou éticos.


Para bem de toda a nação era necessário salvaguardar a pureza das instituções. Por isso brachiosaurus tinha que ser detido para averiguações e, quem sabe, levado a Tribunal.


Staurikosaurus sabia que tinha errado, que fora complacente com brachiosaurus demasiado tempo, sabia que tal contribuíra para os graves incidentes do momento, sabia que podiam ter-se evitado outros casos igualmente graves que ocorreram, por efeito de contágio, noutras paragens do reino.


Staurikosaurus temia pelo seu futuro, pelo seu sossego e da sua família, mas, desta vez tinha que agir, tinha que mostrar a todos os liliputianos que podiam confiar nele. Braquiosauros tinha que ser punido exemplarmente!


Bem vivido, Staurikosauros aprendera com Stegosaurus, o sábio, companheiro de velhas e indizíveis lides, que o tempo tudo remedeia.


Agora que os cidadãos estavam confiantes na implacabilidade da justiça de Lilipute, bastava deixar correr o processo, deixar rolar a justiça, descobrir atenuantes e testemunhos abonatórios.


Afinal Braquiosaurus era o rosto da seleção nacional de tiro ao arco, como disse alguém, e tem à sua ordem um grupo de amigos de Lilipute, com enorme capacidade dissuasora.


Demonstrar-se-á a gratidão da Pátria liliputiana a quem tanto se empenhou no seu engrandecimento, fosse ele qual fosse.


Mais tarde ou mais cedo, será possível encerrar o episódio e, quem sabe, talvez até com um louvor como o que recentemente se fez ao Relocicraptor, cujos patrióticos feitos o livraram das penas do encarceramentto.


No final, Pirolasséx não deixará de mostrar a sua gratidão.


Lilipute voltará a ser o que sempre foi; um país de pigmeus.



Peniche, 11 de Fevereiro de 2024

António Barreto

domingo, 21 de janeiro de 2024

Mouzinho da Silveira

 

Mouzinho da Silveira


José Xavier Mouzinho da Silveira nasceu no Alentejo, em Castelo de Vide, em 1870, e faleceu em Lisboa, em 1848. Por sua vontade expressa foi sepultado na aldeia do Gavião, onde foi erigido um pequeno monumento em 1875, graças a subscrição particular.


Agricultor, industrial, jurista, funcionário régio, ministro, juiz de fora, provedor político e maçon, Mouzinho da Silveira foi um homem culto, controverso pela sua independência e frontalidade. Muito próximo de D. João VI e de D. Pedro IV -, abominou, denunciou e combateu o despotismo e foi fervoroso apoiante da Carta Constitucional e de D. Maria II.


Iberista, Silveira considerava que D. Pedro IV tinhas as características necessárias à liderança da união de Portugal e Espanha. Via nele um “napoleão” e defendeu, como muitos outros, o seu regresso a Portugal.


Surpreendentemente, face à doutrina ocidental atual, Mouzinho considerava a democracia, despótica; a ditadura das massas, ideia desenvolvida posteriormente por Ortega e Gasset.


A ele se devem as mais profundas reformas institucionais do Antigo Regime - a monarquia absolutista -, o que fez dele um dos mais importantes legisladores oitocentista português. Constitucional em 1820, foi deputado em 1826 exilando-se com a subida ao trono de D. Miguel.


Crítico feroz do Antigo Regime, teve breve simpatia pelos invasor francês. Acérrimo defensor da monarquia constitucional - lutou por ela junto de D. Pedro IV, mas, paradoxalmente, foi ministro de D. Miguel, na sequência da Vila-Francada.


Participou no cerco do Porto - como ministro das finanças -, esteve preso no Castelo de S. Jorge - na sequência do golpe ultra-realista da Abrilada - exilou-se em Paris, passou mal e morreu pobre - apesar de proprietário agrícola e industrial de cortumes -, ignorado pelo Estado apesar dos inestimáveis serviços.


Era convictamente monárquico; reconhecia na figura do Rei inigualável capacidade agregadora da nação e ao Rei o poder moderador da sociedade, mas limitado constitucionalmente.


Inspirado em Montesquieu defendeu a separação de poderes - legislativo, executivo, judicial e religioso (o clero era, então, remunerado pelo Estado!) - e o bi-parlamentarismo, constituído pelas câmaras dos representantes e dos pares.


Representantes eleitos - por sufrágio condicionado - e os pares, escolhidos pelo rei, entre a aristocracia e o clero - de transmissão hereditária.


Esperou de D. João VI a Carta Constitucional, finalmente elaborada por D. Pedro IV a partir da Constituição brasileira.


Carta que foi a causa da guerra civil de 1832 a 1834 - entre liberais e absolutistas -, e do posterior levantamento que ficou conhecido por Setembrismo, cujos membros a consideravam ilegítima por não ter sido e discutida e aprovada na Câmara dos Representantes.


Defendeu a liberalização da economia elaborando leis de desamortização - privatização - de bens régios, de expropriação e venda de propriedades agrícolas da aristocracia e do clero - mediante indemnização dos respetivos proprietários -, da atribuição dos bens de mão-morta ao familiar mais próximo do proprietário falecido - em vez da entrega automática à coroa - e da privatização dos baldios.


O seu propósito era o de tornar produtivos os terrenos agrícolas sub-aproveitados ou abandonados, entregando-os a quem tivesse interesse e capacidade para os cultivar.


Mouzinho não se conformava com as práticas da Aristocracia e clero que gastavam, em bens supérfluos e hábitos sumptuários, as rendas provenientes das concessões régias - tenças, comendas, capelas, morgadios, congruas, dízimos, pé-de-altar, etc., desinteressando-se da exploração das respetivas propriedades.


Por outro lado quis dar dono às terras comuns por razões semelhantes; constatava que as terras sem dono eram improdutivas, realidade que considerava imperioso inverter, vendendo-as a quem tivesse capacidade de as explorar.


Sem receitas garantidas, restava aos proprietários empenharem-se no desenvolvimento das respetivas explorações. O aumento da produção traria ganhos económicos e consequentemente, demográficos. Garantiria o povoamento do território o aumento das exportações e o incremento das receitas públicas.


Confiantes na inevitabilidade do progresso e na sensatez dos dirigentes atuais, assistimos, impotentes, ao desmantelamento das economias locais, consideradas de baixos salários, ao despovoamento do território e a todo um cortejo de infelicidades individuais e coletivas.


O conceito de produtividade deve ser abrangente - identificando o contributo de cada setor para a produtividade geral - e indissociado da liberdade individual; o direito de cada um fazer o que o torna feliz, sem desrespeitar a comunidade.


Leal, incorruptível, vinculado ao interesse nacional, Mouzinho da Silveira preocupou-se com a corrupção, preconizando a profissionalização do funcionalismo e o fim dos emolumentos.


Considerava que a dedicação exclusiva e os bons salários dos funcionários desincentivariam a corrupção, direta ou indireta - esta relacionada com o abuso dos custos dos atos administrativos - emolumentos - em proveito dos respetivos autores.


Exemplo de ética política, opôs-se à segregação de adversários e inimigos, e defendeu o recrutamento dos mais qualificados para os cargos públicos.


Quase um século depois, a tragédia da corrupção continua bem viva, e, em Portugal, “normalizada”; a maioria dos altos cargos públicos são atribuídos em função da confiança política do partido vencedor sem olhar a critérios de competência técnica.


Silveira trouxe uma nova perspetiva sobre a metáfora - ainda muito atual - dos “Velhos do Restelo”; o símbolo luso do ceticismo e do imobilismo; os que, nos séculos XV e XVI lamentavam a aventura marítima lusa, augurando, em consequência, um futuro trágico para Portugal.


A mobilização de recursos, de capital e humanos, para a epopeia dos Descobrimentos, conduzira ao desinvestimento interno e à cultura rentista. De facto, o grosso da riqueza pública da época era proveniente de taxas portuárias e alfandegárias.

Igual padrão repete-se nos dias de hoje relativamente à União Europeia, donde brotam os abundantes e, aparentemente infindáveis, fundos comunitários, desmobilizadores do investimento nos recursos internos do país.


Constata-se, com alguma surpresa, que, muitas das preocupações de Mouzinho da Silveira, permanecem atuais, apesar das transformações políticas, sociais e culturais ocorridas em cerca de duzentos anos; a corrupção, o nepotismo, as rendas, os privilégios, o despovoamento, a radicalização política, a demagogia, enfim, os privilégios das novas castas, etc.


Não é possível compreender o Portugal de hoje, sem conhecer as grandes transformações, políticas, económicas e sociais ocorridas do século XIX, consequência do turbilhão que se seguiu à Revolução francesa, em toda a Europa.


A Guerra Peninsular teve influência decisiva na modernização das instituições e no fim do império colonial português.


Créditos a “Mouzinho da Silveira, Pensamento e Acção Política”, de Miriam Halpern Pereira; obra da Coleção Parlamento.

Mouzinho da Silveira

Peniche, 21 de Janeiro de 2023

António Barreto