O Fracasso do 25 de Abril
Salvo um ou outro caso, os candidatos a Primeiro Ministro para as eleições de dez de Março, são um desastre; uns, desacreditados por cinquenta anos de envolvimento governativo do respetivo partido, outros, por um ativismo ideológico persistente, insano, de rua, corporativo, étnico, induzindo roturas económicas, sociais, culturais e identitárias.
Em cinquenta anos de pseudo-democracia, depois da turbulência comunista dos primeiros tempos, da penúria subsequente, da expansão económica pós adesão à CEE, assistimos, desde a entrada no euro, ao empobrecimento relativo do país, asfixiado em impostos e corrupção, carente de ideias de desenvolvimento económico, de tolerância política e social, de diálogo franco, de liberdade plena, cujo povo se resignou ao alastramento da pobreza e aos despudorados privilégios da nova classe política.
Alguns atuais “notáveis”, tal como os aristocratas absolutistas e os obscuros eclesiastas, dum passado não muito remoto, já se consideram, e às respetivas famílias, detentores duma legitimidade sobrenatural, que todos devemos aceitar em nome do divino “desígnio”.
Não há, nem nunca houve unanimidade quanto ao 25 de abril. Demasiada gente sofreu, e ainda sofre, com os acontecimentos subsequentes. Gente que não pode, não deve, não devia, ser ou ter sido ignorada.
Há uma ferida, uma chaga na sociedade portuguesa, uma dor de consciência, surda, amordaçada, amedrontada, mas avassaladora, que ficará para a História como uma grande mancha de ingratidão e cobardia para com todos os que foram perseguidos, expulsos, abandonados, espoliados, torturados, presos, agredidos e assassinados.
Sem justiça, não há, não haverá reconciliação.
Tudo isso foi subalternizado, justificado como inevitável consequência do derrube do “fascismo”, e até como castigo das vítimas pelo alegado envolvimento - ou complacência -, com o anterior regime.
A ocultação da realidade não a suprime, nem às suas consequências.
Em abril de 74, uma espécie de embriaguêz inundou o espaço público dominado pelos novos protagonistas, regressados, como heróis, dos seus exílios dourados, contagiando a população.
Tudo foi prometido, tudo era possível!
“A paz, o pão, saúde, habitação”, “ O Povo é quem mais ordena”, o “Direito à indignação”,...etc., etc..
Uma onda de esperança varreu o país de lés a lés e contagiou grande parte da população. Eu acreditei!
A outra parte, calou-se com medo de ser ver privada do fruto de décadas do trabalho abnegado, à vezes arriscado, duma vida sóbria e austera, com que contava para salvaguarda do seu futuro e dos seus filhos.
Tudo foi prometido, mas tudo foi posto em causa. Ninguém estava seguro!
Uma falsa paz, uma paz podre, sobreveio à malfadada guerra colonial.
Cinquenta anos depois, ante a desilusão dos atuais candidatos à liderança do Governo, pergunto-me o que sucedeu aos homens - e mulheres - bons.
Porque não aparece, na esfera partidária, gente culta, competente, tolerante, com história de vida reconhecida pela comunidade, dedicada ao interesse geral, ao progresso económico e social e pacificação do país?
Não falta, em Portugal, gente para o efeito, porém, paradoxalmente, algo de perverso sucedeu que os mantém afastados da esfera da governação.
Antes de mais. No âmbito dos partidos, o critério da lealdade política prevalece sobre qualquer outro.
Gente digna não está disposta a sujeitar-se aos enxovalhos do quotidiano político, à devassa da vida privada, aos “assassinatos reputacionais” e à exposição pública das respetivas famílias.
Quando um regime político não tem o talento de atrair os melhores à causa pública.
Quando um regime político permite que determinados partidos se arroguem de legitimidade outra que não a democrática.
Quando um regime político, incapaz de assumir as suas incapacidades, se conforma com a pobreza e ameaça os cidadãos da espoliação dos seus bens, considerando-os, implicitamente, roubados.
Quando um regime político sobrevive à custa de fundos comunitários, de endividamento - cativação de rendimentos futuros - e de impostos exacerbados, insaciável, prometendo sempre o que sabe que não pode cumprir, é porque falhou.
E quando tal sucede reiteradamente, é porque algo de muito errado se verifica na sociedade portuguesa, ou na natureza da própria democracia.
Talvez haja falta de cultura democrática na comunidade em geral e na classe política em especial.
Cultura democrática: a capacidade de respeitar o outro.
Talvez algo tenha que mudar na arquitetura da democracia para evitar que uma corja de meliantes tome conta dos destinos da Nação em proveito próprio.
Talvez a lei eleitoral deva ser modificada para evitar a morte da democracia e das liberdade.
Talvez seja o tempo de os “homens bons”, os que, silenciosamente, com talento e abnegação, mantêm o país vivo, se fazerem ouvir.
Talvez seja o tempo de a “boa moeda afastar a má moeda”.
Peniche, 03 de Março de 2024
António Barreto
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