O Benfica e o Circo
Apesar da fantástica época anterior e dos muitos milhões investidos em jogadores, a presente época, prestes a terminar, contra todas as expetativas, revelou-se um rotundo fracasso para o clube.
Surpreendentemente, com as saídas de Grimaldo e de Gonçalo Ramos, a equipa perdeu a dinâmica que a caracterizara e a capacidade concretizadora, realidade confrangedora que perdura e, tudo indica, perdurará até final da época.
O enorme esforço da Direção para compensar aquelas saídas e melhorar a competitividade da equipa, revelou-se infrutífero.
Na baliza, com a contratação de Trubin, pretendeu-se eliminar as deficiências no jogo aéreo, nas saídas e no jogo de pés reveladas pelo Odysseias; depois de um início promissor, a realidade nua e crua, hoje, é que não há melhorias em nenhuma dessas valências.
Para colmatar a falta de Grimaldo contratou-se Risic, Jurasek, Lhorant e, por último, o Alvarez; ainda om boas expetativas relativamente a este, todos os outros se revelaram rotundos fracassos.
Com fama de goleador chegou, de Itália, Artur Cabral. Recuperada a forma física, as qualidades que foi demonstrando, de força, remate e cabeceamento, não convenceram o Treinador, que, esporadicamente, o foi utilizando.
Do Santos veio Leonardo, rápido, rematador, determinado, com sentido de baliza. Apesar de concretizador nos jogos iniciais, foi também remetido para o banco de suplentes.
Tengstedt, rápido e laborioso, que transitara da época anterior, foi-se definindo como aposta preferencial, apesar de fraca capacidade concretizadora demonstrada.
Também de Itália veio mágico Di Maria, jogador que todos - no Benfica - adoramos, e que se afirmou como peça fundamental da equipa.
Apesar do, aparentemente indiscutível bom plantel, no final da época a equipa revela os defeitos que tinha no início.
Uma equipa incapaz de aprender com os próprios erros, não tem sustentação para aspirar a grandes feitos.
Na baliza permanecem as lacunas já apontadas, no jogo aéreo - as fatais defesas para a frente da baliza -, nas saídas e no jogo com os pés.
Incompreensivelmente continua a insistir-se no relançamento do jogo a partir da baliza na zona da área, com passes laterais, algo que já provocou graves dissabores à equipa, sem que tal refletisse qualquer alteração no processo.
Na esquerda defensiva, prevaleceu a aposta na adaptação de Aursness, sempre generoso mas sem a rotina do lugar, perdendo-se um extraordinário elemento para a zona central do meio-campo.
Na frente apostou-se nos avançados móveis; na velocidade de Rafa, na mobilidade de Tengstedt e no génio de Di Maria.
Acima de tudo, nota-se uma tremenda falta de articulação dos vários setores; indisciplina na ocupação dos espaços e dinâmica coletiva coerente.
Há dificuldade em jogar pelas alas, e quando ocorre algum lance junto há linha final, não há gente na área para finalizar. Isto foi assim desde o início da época!
Frequentes passes falhados, falta de intensidade na disputa dos lances, reação passiva à perda de bola, sobretudo no processo ofensivo, ausência quase total de meia-distância e jogo aéreo, apesar de inegáveis períodos de bom futebol, conferem à equipa uma irregularidade e pervisibilidade - demasiada depenência do astro Di Maria -, que é a sua imagem de marca esta época.
Roger Schmidt, pessoa admirável no trato, educado, cordial, hostilizado pelos tradicionais comentadores da praça desde o início, tem revelado aversão à mudança, incapacidade de ler e intervir no jogo no momento próprio, incapacidade de perceber e motivar os seus jogadores.
Por outro lado, a Direção não se poupou a esforços financeiros, mas não foi capaz de fazer as escolhas certas. Sabe-se hoje que Grimaldo teria ficado se os seus anseios tivessem tido acolhimento. E teria valido a pena.
Pelo meio, prescindiu-se do contributo de um jogador possante, talhado para os grandes jogos, que fazia golos com os dois pés e com a cabeça, Musa.
De tudo isto mais o que se observa na BTV, o Benfica, às vezes, parece-me uma feira de vaidades, uma espécie de circo, onde a palavra de ordem é comemorar e festejar o passado, onde há demasiados protagonistas fascinados com a proximidade às estruturas do clube, incapazes de fazer análise crítica, excessivamente preocupados em enjoativos encómios ao poder do momento.
Na vertente institucional, o pedantismo emerge da postura de sistemático silêncio, face às arbitrariedades das equipas de arbitragem, dos Conselhos de Justiça e Disciplina, da Liga, da Federação e até de alguns governos; não sei se por medo se por patético sentido de responsabilidade de defesa do futebol português.
O certo é que ninguém consentiria que o clube beneficiasse das facilidades que têm sido concedidas ao Sporting!
Estando no horizonte a centralização dos direitos desportivos, com envolvimento direto do governo anterior, não tenho dúvidas de que, as manobras de desvalorização do clube irão intensificar-se, com o propósito de reduzir a “fatia do bolo” a atribuir ao Benfica.
Afinal, é o que tem acontecido, pelo menos desde os anos oitenta, e ainda recentemente, com os contratos com a MEO, onde Sporting e Porto, mais uma vez, com recurso a subterfúgios patéticos, faturaram mais que o clube encarnado.
O futuro do Benfica constrói-se com inteligência e firmeza, com correção mas sem medo do confronto, com o trabalho e o talento de todos, com menos festas e devaneios dionisíacos, com mais “caldeira e menos bandeira”.
E quem não pode, arreia!
Peniche, 20 de Abril de 2024
António Barreto
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