Mouzinho da Silveira
José Xavier Mouzinho da Silveira nasceu no Alentejo, em Castelo de Vide, em 1870, e faleceu em Lisboa, em 1848. Por sua vontade expressa foi sepultado na aldeia do Gavião, onde foi erigido um pequeno monumento em 1875, graças a subscrição particular.
Agricultor, industrial, jurista, funcionário régio, ministro, juiz de fora, provedor político e maçon, Mouzinho da Silveira foi um homem culto, controverso pela sua independência e frontalidade. Muito próximo de D. João VI e de D. Pedro IV -, abominou, denunciou e combateu o despotismo e foi fervoroso apoiante da Carta Constitucional e de D. Maria II.
Iberista, Silveira considerava que D. Pedro IV tinhas as características necessárias à liderança da união de Portugal e Espanha. Via nele um “napoleão” e defendeu, como muitos outros, o seu regresso a Portugal.
Surpreendentemente, face à doutrina ocidental atual, Mouzinho considerava a democracia, despótica; a ditadura das massas, ideia desenvolvida posteriormente por Ortega e Gasset.
A ele se devem as mais profundas reformas institucionais do Antigo Regime - a monarquia absolutista -, o que fez dele um dos mais importantes legisladores oitocentista português. Constitucional em 1820, foi deputado em 1826 exilando-se com a subida ao trono de D. Miguel.
Crítico feroz do Antigo Regime, teve breve simpatia pelos invasor francês. Acérrimo defensor da monarquia constitucional - lutou por ela junto de D. Pedro IV, mas, paradoxalmente, foi ministro de D. Miguel, na sequência da Vila-Francada.
Participou
no
cerco do Porto - como
ministro das finanças -,
esteve
preso
no Castelo de S. Jorge - na
sequência do golpe ultra-realista
da Abrilada
-
exilou-se
em Paris, passou mal e morreu pobre - apesar de proprietário
agrícola
e industrial
de
cortumes -, ignorado
pelo Estado apesar
dos
inestimáveis serviços.
Era convictamente monárquico; reconhecia na figura do Rei inigualável capacidade agregadora da nação e ao Rei o poder moderador da sociedade, mas limitado constitucionalmente.
Inspirado em Montesquieu defendeu a separação de poderes - legislativo, executivo, judicial e religioso (o clero era, então, remunerado pelo Estado!) - e o bi-parlamentarismo, constituído pelas câmaras dos representantes e dos pares.
Representantes eleitos - por sufrágio condicionado - e os pares, escolhidos pelo rei, entre a aristocracia e o clero - de transmissão hereditária.
Esperou de D. João VI a Carta Constitucional, finalmente elaborada por D. Pedro IV a partir da Constituição brasileira.
Carta que foi a causa da guerra civil de 1832 a 1834 - entre liberais e absolutistas -, e do posterior levantamento que ficou conhecido por Setembrismo, cujos membros a consideravam ilegítima por não ter sido e discutida e aprovada na Câmara dos Representantes.
Defendeu a liberalização da economia elaborando leis de desamortização - privatização - de bens régios, de expropriação e venda de propriedades agrícolas da aristocracia e do clero - mediante indemnização dos respetivos proprietários -, da atribuição dos bens de mão-morta ao familiar mais próximo do proprietário falecido - em vez da entrega automática à coroa - e da privatização dos baldios.
O seu propósito era o de tornar produtivos os terrenos agrícolas sub-aproveitados ou abandonados, entregando-os a quem tivesse interesse e capacidade para os cultivar.
Mouzinho não se conformava com as práticas da Aristocracia e clero que gastavam, em bens supérfluos e hábitos sumptuários, as rendas provenientes das concessões régias - tenças, comendas, capelas, morgadios, congruas, dízimos, pé-de-altar, etc., desinteressando-se da exploração das respetivas propriedades.
Por outro lado quis dar dono às terras comuns por razões semelhantes; constatava que as terras sem dono eram improdutivas, realidade que considerava imperioso inverter, vendendo-as a quem tivesse capacidade de as explorar.
Sem receitas garantidas, restava aos proprietários empenharem-se no desenvolvimento das respetivas explorações. O aumento da produção traria ganhos económicos e consequentemente, demográficos. Garantiria o povoamento do território o aumento das exportações e o incremento das receitas públicas.
Confiantes na inevitabilidade do progresso e na sensatez dos dirigentes atuais, assistimos, impotentes, ao desmantelamento das economias locais, consideradas de baixos salários, ao despovoamento do território e a todo um cortejo de infelicidades individuais e coletivas.
O conceito de produtividade deve ser abrangente - identificando o contributo de cada setor para a produtividade geral - e indissociado da liberdade individual; o direito de cada um fazer o que o torna feliz, sem desrespeitar a comunidade.
Leal, incorruptível, vinculado ao interesse nacional, Mouzinho da Silveira preocupou-se com a corrupção, preconizando a profissionalização do funcionalismo e o fim dos emolumentos.
Considerava que a dedicação exclusiva e os bons salários dos funcionários desincentivariam a corrupção, direta ou indireta - esta relacionada com o abuso dos custos dos atos administrativos - emolumentos - em proveito dos respetivos autores.
Exemplo de ética política, opôs-se à segregação de adversários e inimigos, e defendeu o recrutamento dos mais qualificados para os cargos públicos.
Quase um século depois, a tragédia da corrupção continua bem viva, e, em Portugal, “normalizada”; a maioria dos altos cargos públicos são atribuídos em função da confiança política do partido vencedor sem olhar a critérios de competência técnica.
Silveira trouxe uma nova perspetiva sobre a metáfora - ainda muito atual - dos “Velhos do Restelo”; o símbolo luso do ceticismo e do imobilismo; os que, nos séculos XV e XVI lamentavam a aventura marítima lusa, augurando, em consequência, um futuro trágico para Portugal.
A mobilização de recursos, de capital e humanos, para a epopeia dos Descobrimentos, conduzira ao desinvestimento interno e à cultura rentista. De facto, o grosso da riqueza pública da época era proveniente de taxas portuárias e alfandegárias.
Igual padrão repete-se nos dias de hoje relativamente à União Europeia, donde brotam os abundantes e, aparentemente infindáveis, fundos comunitários, desmobilizadores do investimento nos recursos internos do país.
Constata-se, com alguma surpresa, que, muitas das preocupações de Mouzinho da Silveira, permanecem atuais, apesar das transformações políticas, sociais e culturais ocorridas em cerca de duzentos anos; a corrupção, o nepotismo, as rendas, os privilégios, o despovoamento, a radicalização política, a demagogia, enfim, os privilégios das novas castas, etc.
Não é possível compreender o Portugal de hoje, sem conhecer as grandes transformações, políticas, económicas e sociais ocorridas do século XIX, consequência do turbilhão que se seguiu à Revolução francesa, em toda a Europa.
A Guerra Peninsular teve influência decisiva na modernização das instituições e no fim do império colonial português.
Créditos a “Mouzinho da Silveira, Pensamento e Acção Política”, de Miriam Halpern Pereira; obra da Coleção Parlamento.
Peniche, 21 de Janeiro de 2023
António Barreto
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