Das explicações que por aí ouvi acerca das causas da transformação que
se verificou na equipa de futebol sénior do Benfica após a entrada do novo
Treinador oriundo da equipa B, nenhuma focou os apetos que considero
essenciais.
Desde o tempo em que treinou os Juniores da Luz que Lage revelou grande
talento. A sua saída deixou um sentimento de perda em quem acompanhava o seu
trabalho, mesmo a distância. O seu regresso - saudado pela generalidade dos
adeptos - agora à equipa B, traduziu-se na imediata melhoria nos resultados
desportivos da equipa.
Foi a comunicação, dizem uns. Foi a atitude dos jogadores, dizem outros.
É verdade, mas nenhuma destas razões é primordial no salto qualitativo da
equipa.
Antes de mais a saída do anterior
Treinador - pessoa estimável - foi parte da razão; os jogadores sentiram-se
libertos duma liderança confusa, titubeante, periférica e conformada, que,
frequentemente, relativizava a importância das derrotas e se revelava incapaz
de promover a progressão qualitativa do modelo tático. Uma espécie de pesado
lastro, com origem no treinador, impedia a equipa de evoluir. Sem disciplina
tática, a equipa vivia do talento dos jogadores, que lá conseguiam subir, à
custa de tabelas de dois, três jogadores, e esporádicos lançamentos longos, com
que se ganhavam os jogos menos exigentes.
O resto é de Bruno Lage; e o resto é quase tudo. Lage é portador da
cultura profunda do Benfica; vem dali da zona do Barreiro, alfobre de grandes
figuras do clube, e vem do grande Jaime Graça; nos seus tempos áureos o melhor
extremo direito da Europa. Nenhum jogador, nenhuma equipa, nenhum estádio
temia. Bruno Lage, interiorizou essa cultura, a cultura da vitória e da nobreza
de caráter.
“O Benfica são as pessoas”, disse Lage, e esta é a essência do Benfica.
É o que os seus adeptos sonham, sentem e vivem, que move o Benfica; tudo o
resto é instrumental; presidentes, dirigentes, treinadores, estádios, campos de
treino, etc. A cultura de Bruno Lage vem das fontes do benfiquismo.
Tudo isto é fundamental mas insuficiente para produzir o tal “milagre”
que se verificou. O resto é…conhecimento profundo do jogo e competência
emocional. Bruno Lage é possuidor de ambas. Revelou-o desde o início.
Logo que se pronunciou foi direito ao essencial identificando como prioridades
a disciplina de ocupação do terreno e as dinâmicas táticas. O resto, o talento
para a execução, está nos jogadores e revela uma outra competência decisiva de
Lage; a capacidade de perceber as qualidades intrínsecas de cada um e o momento
em que se encontram.
Acabaram-se os grande “buracos” no terreno, avenidas, por onde qualquer boa
equipa fazia progredir o seu jogo na direção da baliza encarnada. Acabou-se com o futebol “estático” em que o
portador da bola era obrigado um duelo desigual, de um para dois ou para três,
por falta de linhas de passe disponíveis. Acabaram-se as rececões estáticas, os
passes de baixa velocidade ao 2º e terceiro toques. Acabou-se com as corridas
inglórias trás da bola, com os jogadores a chegarem quase sempre atrasados.
Acabou-se com o futebol denunciado e o desgaste físico precoce da equipa.
É certo que, aqui e ali, ainda aparecem os “fantasmas” jogo do passado, mas
paulatinamente, a equipa consolida a nova postura tática:
o Ocupação
racional e dinâmica do terreno de que resulta, na fase defensiva:
o
Redução de espaços dificultando a progressão do
adversário.
o
Rápida reação à perda de bola dificultando a
construção do jogo adversário.
o
Criação de superioridade numérica nas disputas
de bola.
o
Repartição do esforço físico de recuperação da
bola.
o Na
fase ofensiva
o
Rápida desmarcação para os espaços livres,
abrindo várias linhas de passe.
o
Aumento da dificuldade de leitura de jogo por
parte do adversário.
o
Dispersão do adversário no terreno, dificultando
a formação dos bloqueios coletivos.
À disciplina tática permanente junta-se o aumento da velocidade de troca
da bola, receção dinâmica em progressão, de frente para o adversário, e entrega
ao primeiro, segundo toque. Daqui resulta que, quando o adversário faz a
leitura do lance, normalmente, já é tarde para reagir. Vimos isso nos últimos
jogos. Com Samaris e Gabriel a equipa
recuperou capacidade atlética e criativa, ganhando mais lances no corpo a corpo
e capacidade de colocação da bola, com precisão, a longas distâncias. Por outro
lado, os jogadores vão perdendo o “respeito” aos guarda-redes, rematando nas
proximidades da área, com resultados já bem visíveis. Tudo isto é maximizado
pela alegria dos jogadores, que provém da confiança na liderança da equipa;
Bruno Lage sabe “ver” os detalhes táticos do jogo como muito poucos treinadores,
e sabe como alterá-los.
Com uma humildade que lhe provém da nobreza de caráter, Bruno Lage,
indiferente às controvérsias periféricas, endossa aos seus jogadores os méritos
do desempenho e agradece-lhes o seu crescimento como treinador. E isso cala
fundo no coração dos seus jogadores e dos adeptos.
Peniche, 05 de Março
de 2019
António
Barreto
Bravo!!!
ResponderEliminarVeja como são as coisas; hoje, pergunto-me a mim próprio, o que aconteceu a Laje e ao Benfica que justifique o declínio da época seguinte, em que o Benfica "entregou" o campeonato ao Porto.
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