O relacionamento com os Adeptos
Em qualquer clube a relação dos dirigentes com os respetivos adeptos é
sempre potencialmente turbulenta, barómetro dos resultados desportivos,
emocional, imediatista e irrealista, pautada pela ingratidão ao menor desaire.
Saber lidar com esta realidade é um requisito indispensável a quem investe na
empreitada do dirigismo desportivo.
Os primeiros anos do consulado de Filipe Vieira foram de abertura, tipo
presidência aberta, como o próprio reiteradamente afirmou. É verdade que houve
disponibilidade para reunir e debater com alguns críticos mais destacados e até
trocar correspondência com sócios genuinamente empenhados no incentivo, na crítica
e na sugestão de ideias.
Tal disponibilidade foi-se desvanecendo e circunscrevendo ao “fogo
amigo” de cariz laudatório, que, hoje, caracteriza a respetiva “entourage”. Chega a ser ridícula a
forma rebuscada com que, por vezes, os comentadores de serviço na BTV, qual
cortina de fumo, tentam atenuar os desaires, valorizando detalhes
insignificantes, relativizando o essencial e desconsiderando os dissidentes, como
se jogadores, técnicos, sócios e dirigentes fossem incapazes de enfrentar as
críticas alheias e os erros próprios e como se os adeptos fossem inimigos.
Atingiu-se o paroxismo da intolerância na última Assembleia Geral, com ameaças
de agressão e insultos aos críticos, anunciando-se alterações ao regimento das
Assembleias Gerais que podem por em causa a democraticidade do clube. Mais
grave; na BTV, figuras algo notáveis, põem em causa a legitimidade dos sócios
para interferirem nas questões do futebol, considerando-as da exclusiva
responsabilidade dos acionistas da SAD! Lembro que uma das razões aduzida para
o afastamento de Azevedo foi a de que tinha em marcha um plano de apropriação do
clube! Não é o que temos hoje por parte de quem disse querer impedi-lo?
Nenhuma entidade progride sem dissidência, porque ninguém, por si só,
tem o dom da omnisciência. Alienar contributos, construtivos e empenhados, pode
evitar, ainda que temporariamente, o desconforto da entropia, mas restringe a
amplitude das opções e compromete o futuro.
Tal requer um espaço de debate construtivo e permanente. Há que
encontrar a fórmula mobilizadora que fortaleça as políticas desportivas ou
administrativas sem comprometer o projeto global, que só pode ser um: Ganhar,
onde quer que seja, contra quem quer que seja!
A defesa do clube
A estratégia de low profile que tem sido seguida em
matéria de defesa do clube-sad, restringindo-a a comunicados, protestos
processuais nas instâncias da tutela desportiva ou queixas judiciais, é
manifestamente insuficiente.
O abandono do espaço público, deixando as acusações e enxovalhos sem
contraditório não gera empatia, nem entre o público, nem entre os opinion makers. Neste particular a saída
de João Gabriel deixou um vazio pernicioso.
Na frente institucional, está em causa a reiterada cortesia com que a presidência
do Benfica se relaciona com os dirigentes da Liga e da Federação - apesar da
insistente perseguição que estas instituições têm movido ao clube; seja no
plano financeiro com castigos astronómicos, seja no plano disciplinar com
punições desproporcionadas e excecionais, seja no plano desportivo, com
calendários inadequados e escalonamento de árbitros de tradicional “má-sorte”
nos jogos do clube -, a qual tem sido entendida, ou pressentida, como de
submissão, sinal de impotência, encorajador da prevalência do status-quo, e não de tolerância ou de
empenhamento na pacificação do futebol.
Uma oportunidade perdida foi aquilo a que assistimos em plena Assembleia
da República, quando, numa época de intensos e sucessivos ataques públicos ao
Benfica, ocorreu a audiência pedida pela FPF, que se julgava destinar-se à
mobilização da classe política na pacificação e moralização do futebol.
Silêncio, penoso silêncio, ante as “lampanas” de promotores e facilitadores da
intolerância e violência no desporto, foi o contributo do Presidente do
Benfica! Uma ou duas frases, a preceito, bastariam.
A dissuasão dos agressores faz-se responsabilizando-os nos locais
próprios, contraditando-os e votando-os ao ostracismo no clube.
A Promiscuidade
A credibilidade de um
qualquer dirigente também passa pelo escrupuloso cuidado em separar os
respetivos negócios privados com os da entidade que dirige. Sem estar em causa
a legitimidade concreta, não é de bom-tom desenvolver projetos imobiliários em
zonas outrora afetas ao clube, nem tão pouco manter negócios com entidades
bancárias comuns. Tal como não é salutar manter uma relação de exclusividade
com um empresário de jogadores, o qual, simultaneamente, desenvolve idêntica
atividade junto dos principais rivais.
Qualquer dos casos tem efeitos perniciosos, quer junto dos adeptos,
minando a confiança, quer na opinião pública geral, sempre sedenta de
escândalos, quer junto dos rivais e seus aliados, peritos na arte de mistificar
e sobrevalorizar qualquer mal-entendido.
Peniche, 23 de Setembro de 2019António Barreto
(Aristide Maillol - La grande baigneuse à la draperie or La Seine, in 1921)
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