domingo, 26 de janeiro de 2020
sábado, 25 de janeiro de 2020
Benfiquices
Naquela manhã de um qualquer dia de Janeiro de 2020, resolvemos ir ao “mata-bicho”. A turbulência dos dias anteriores tinha amainado. As complicações técnicas relativas aos trabalhos em curso estavam em vias de resolução. O “mata-bicho”, alusão a hábitos de antanho, consistia num breve cafezinho madrugador, ali mesmo, na tasca do “Texugo”, e dois dedos de “prosa” entre nós – colegas de trabalho –, à guisa de balanço, ou com os nossos velhos amigos, que por lá costumam aparecer; Cachalote, Sopinha e Carlinhos, nuns breves comentários sobre as mais recentes ocorrências desportivas.
Cachalote, benfiquista moderado, sentado no seu canto, com a sua samarra
de flanela clara aos quadrados, invariavelmente concentrado na leitura das
notícias da manhã, limita-se a lacónicos murmúrios impercetíveis.
Sopinha, baixote, lesto, sorridente, de proeminente barriga, dirige-se,
decidido, ao balcão aguardando a habitual ginjinha, que vai saboreando em
pequenos goles nas duas horas seguintes, enquanto vira as páginas do jornal do
dia sem as ler nem ligar a futebóis. Entredentes, a espaços, vai murmurando: “-
Eu não me faço velho!....não tomei banho…também ainda não cheiro mal…”
Carlos, “o Carlinhos”, homem modesto, calmeirão, meio cego, que vê os
jogos do seu Benfica no estádio quando pode, apesar de só ver sombras em vez de
jogadores, que fala em turbilhão, gaguejando, é benfiquista do coração.
Acompanha tudo. Conhece as equipas, as datas e as horas dos jogos, as
transferências e as verbas envolvidas, os casos polémicos, etc. Preocupa-se,
sobretudo na véspera dos jogos. Faz contas de cabeça à pontuação. Tem ideias
sobre a constituição do plantel e das táticas. Volta e meia “puxo” por ele a
pretexto do boné verde desbotado que costuma usar; “- Então Sr. Carlos, boné
verde? Parece mal! Eu tinha vergonha!” Responde de pronto: “- Qual é ooo
ppproblema? É dadado! Uuso o que me dão! Nnão tenho problema nenenhum com o
veerde!”
Naquele dia, reparei que trazia um boné vermelho, já bem coçado, com o
emblema do Benfica - tinha ocorrido dois dias antes a vitória sobre o velho
rival. Ataquei a fundo: “.- Ah! agora é que estou a perceber! O Sr. Carlos tem
um boné do Benfica mas tem vergonha de o usar! Nunca pensei!” Respondeu de
imediato, alvoroçado; “- Quem eeeu? Tenho vergonha eeu? Isso ééé q’eeera belo!”
Num repente, meio ofendido, tirou o boné, beijou três vezes o emblema, voltou e
metê-lo na cabeça e exclamou: “- Iisso é q’era belo! Nnnunca na vida!- Eh lá”.
Exclamei.
Bebemos o cafezinho e despedimo-nos. “- Pronto, está bem! Até amanhã, Sr.
Carlos! - Até amanhã”. Respondeu, já mais sossegado com um brilhozinho nos
olhos.
De regresso, entre divertido e algo comovido, matutando na cena, prometi
a mim mesmo oferecer-lhe um boné novo.
Júlio Pomar
Peniche, 25 de Janeiro de 2020
António
Barreto
domingo, 12 de janeiro de 2020
Os "democratas", a censura e a PIDE
“Pela primeira vez na
vida, os portugueses tomaram conhecimento do complexo mundo que as duas
censuras da mãe pátria lhes tinha ocultado. Descobriram - atónitos – que não
fora o Partido Comunista argelino que havia feito a revolução, mas a FLN, anticomunista.
Ouviram as queixas contra Cunhal dos nacionalistas angolanos, membros desse
MPLA que ainda não era de Neto. Descobriram, enfim, que se podia ser de
esquerda e criticar, alto e bom som, os comunistas, sem ser-se apodado de PIDE
ou ser-se denunciado à PIDE:”
Patrícia Mcgowan em, “O Bando de Argel”
(Intervenção)
Peniche, 12 de Janeiro de
2020
António Barreto
Afonso Costa (1)
A república, o socialismo e a Igreja:
"As leis de Afonso Costa eram, sem sombra de dúvida, de perseguição, de ataque à Igreja, ao clero e à própria religião. Eram leis violentas, revolucionárias. Afonso Costa sabia bem que nenhuma revolução podia ser levada a bom termo, escrever-se com R maiúsculo, sem destruir, primeiro, na sua essência, o poder económico, político e psicológico das religiões organizadas. É um facto que a história tem claramente demonstrado, nos últimos duzentos anos. Bem o compreenderam os dirigentes de outras revoluções - no México, em Cuba, na União Soviética. Onde as Igrejas poderosas não foram vencidas, as revoluções fracassaram. Conciliar esta necessidade de perseguição com a tolerância poética e romântica que constituía um dos tons da geração de 1890-1891, eis uma das grandes contradições que os homens da República não puderam superar.." (A.H. de Oliveira Marques, cadernos do FAOJ, Afonso Costa).
(Afonso Costa, março de 1921)
Peniche, 11 de Janeiro de 2020
António Barreto
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