Desporto

sábado, 25 de janeiro de 2020

Benfiquices



   Naquela manhã de um qualquer dia de Janeiro de 2020, resolvemos ir ao “mata-bicho”. A turbulência dos dias anteriores tinha amainado. As complicações técnicas relativas aos trabalhos em curso estavam em vias de resolução. O “mata-bicho”, alusão a hábitos de antanho, consistia num breve cafezinho madrugador, ali mesmo, na tasca do “Texugo”, e dois dedos de “prosa” entre nós – colegas de trabalho –, à guisa de balanço, ou com os nossos velhos amigos, que por lá costumam aparecer; Cachalote, Sopinha e Carlinhos, nuns breves comentários sobre as mais recentes ocorrências desportivas.
   Cachalote, benfiquista moderado, sentado no seu canto, com a sua samarra de flanela clara aos quadrados, invariavelmente concentrado na leitura das notícias da manhã, limita-se a lacónicos murmúrios impercetíveis.
  Sopinha, baixote, lesto, sorridente, de proeminente barriga, dirige-se, decidido, ao balcão aguardando a habitual ginjinha, que vai saboreando em pequenos goles nas duas horas seguintes, enquanto vira as páginas do jornal do dia sem as ler nem ligar a futebóis. Entredentes, a espaços, vai murmurando: “- Eu não me faço velho!....não tomei banho…também ainda não cheiro mal…”
  Carlos, “o Carlinhos”, homem modesto, calmeirão, meio cego, que vê os jogos do seu Benfica no estádio quando pode, apesar de só ver sombras em vez de jogadores, que fala em turbilhão, gaguejando, é benfiquista do coração. Acompanha tudo. Conhece as equipas, as datas e as horas dos jogos, as transferências e as verbas envolvidas, os casos polémicos, etc. Preocupa-se, sobretudo na véspera dos jogos. Faz contas de cabeça à pontuação. Tem ideias sobre a constituição do plantel e das táticas. Volta e meia “puxo” por ele a pretexto do boné verde desbotado que costuma usar; “- Então Sr. Carlos, boné verde? Parece mal! Eu tinha vergonha!” Responde de pronto: “- Qual é ooo ppproblema? É dadado! Uuso o que me dão! Nnão tenho problema nenenhum com o veerde!”
   Naquele dia, reparei que trazia um boné vermelho, já bem coçado, com o emblema do Benfica - tinha ocorrido dois dias antes a vitória sobre o velho rival. Ataquei a fundo: “.- Ah! agora é que estou a perceber! O Sr. Carlos tem um boné do Benfica mas tem vergonha de o usar! Nunca pensei!” Respondeu de imediato, alvoroçado; “- Quem eeeu? Tenho vergonha eeu? Isso ééé q’eeera belo!” Num repente, meio ofendido, tirou o boné, beijou três vezes o emblema, voltou e metê-lo na cabeça e exclamou: “- Iisso é q’era belo! Nnnunca na vida!- Eh lá”. Exclamei.
   Bebemos o cafezinho e despedimo-nos. “- Pronto, está bem! Até amanhã, Sr. Carlos! - Até amanhã”. Respondeu, já mais sossegado com um brilhozinho nos olhos.
   De regresso, entre divertido e algo comovido, matutando na cena, prometi a mim mesmo oferecer-lhe um boné novo.
 

 
Júlio Pomar

Peniche, 25 de Janeiro de 2020
António Barreto

domingo, 12 de janeiro de 2020

Os "democratas", a censura e a PIDE


 
   “Pela primeira vez na vida, os portugueses tomaram conhecimento do complexo mundo que as duas censuras da mãe pátria lhes tinha ocultado. Descobriram - atónitos – que não fora o Partido Comunista argelino que havia feito a revolução, mas a FLN, anticomunista. Ouviram as queixas contra Cunhal dos nacionalistas angolanos, membros desse MPLA que ainda não era de Neto. Descobriram, enfim, que se podia ser de esquerda e criticar, alto e bom som, os comunistas, sem ser-se apodado de PIDE ou ser-se denunciado à PIDE:”

   Patrícia Mcgowan em, “O Bando de Argel” (Intervenção)
 
 
Piteira Santos e Manuel Alegre

Peniche, 12 de Janeiro de 2020
António Barreto

Afonso Costa (1)


A república, o socialismo e a Igreja:

 

"As leis de Afonso Costa eram, sem sombra de dúvida, de perseguição, de ataque à Igreja, ao clero e à própria religião. Eram leis violentas, revolucionárias. Afonso Costa sabia bem que nenhuma revolução podia ser levada a bom termo, escrever-se com R maiúsculo, sem destruir, primeiro, na sua essência, o poder económico, político e psicológico das religiões organizadas. É um facto que a história tem claramente demonstrado, nos últimos duzentos anos. Bem o compreenderam os dirigentes de outras revoluções - no México, em Cuba, na União Soviética. Onde as Igrejas poderosas não foram vencidas, as revoluções fracassaram. Conciliar esta necessidade de perseguição com a tolerância poética e romântica que constituía um dos tons da geração de 1890-1891, eis uma das grandes contradições que os homens da República não puderam superar.." (A.H. de Oliveira Marques, cadernos do FAOJ, Afonso Costa).

 


 
(Afonso Costa, março de 1921)
 

 

Peniche, 11 de Janeiro de 2020

António Barreto