Sobre o Fado:
“ (…) Mas o fado transporta
consigo uma riqueza de carga cultural, com as suas histórias de má sorte,
oferecendo, de muitas formas, um vislumbre revelador da alma portuguesa. O país
e a sua música tradicional de há séculos estão mesmo hoje ligados de forma tão
íntima, que é difícil apreciar um sem compreender a outra. O fado narra a vida
através de um prisma português é uma celebração da “portugalidade”, a essência
destilada de um país, tão português como as sardinhas assadas e um jarro de
sangria doce no final de um escaldante dia de verão. (…)
(…) Apesar de ser decerto
melancólico e lacrimejante, o fado não é acerca da resignação. Há nele um
arrebatamento consentido. É acerca da coragem, de uma celebração da vida, apesar
dos obstáculos, acerca da fé. A paixão da vida espreita nas suas entranhas. É
um lamento alegre. É isso que nos arrepia a pele, mesmo que não consigamos
compreender as palavras. Os cantores do fado poderão chorar a sua desgraça, mas
não desistem, nem nunca desistirão. (…)
(…) O lar do fado reside nos
pequenos e humildes locais da capital, onde o vinho carrascão é servido de
barris alinhados contra a parede, por detrás do balcão, por um taberneiro que
não diz “faz favor” nem “obrigado”.
(…) O fado, ao que parece,
começou precisamente neste tipo de local. Diz-se que cresceu a partir dos rudes
bairros vizinhos dos cais de Lisboa no início do século XIX. As melodias são
das docas e diz-se que algumas prostitutas eram também fadistas admiradas. Porém,
as raízes vão mais fundo, estendendo-se talvez ao longo dos séculos. Os
veleiros ancorados no rio Tejo traziam de regresso a casa os navegadores
portugueses, muitos dos quais percorriam as rotas atlânticas entre África e
Brasil. As suas histórias cantadas e lamentos cristalizaram num estilo que se
inspirava nas músicas que ouviam nas suas viagens. O fado destilou também os
traços musicais trazidos pelos marinheiros estrangeiros que passavam por Lisboa
e que entoavam uma melodia para se entreterem numa taberna local. Todas essas
influências juntas tornaram o fado único. Há vestígios dos cantos dos escravos
africanos, dos ritmos brasileiros, de músicas populares portuguesas, bem como
de outros elementos europeus e até árabes. (…)
(….) Apesar de todas as
tentativas de modernização, as doridas crónicas de um povo oprimido continuam a
ressoar nas letras nostálgicas das velhas canções do fado. Os portugueses, por
vezes, parecem deleitar-se com a sua adorada tristeza. Será de notar, porém,
que os fadistas sorriem muitas vezes quando relatam as suas sombrias narrativas.
É como se estivessem felizes por estarem tristes. (….)”
O taxista abanava a cabeça ao ver as intermináveis obras responsáveis
pelos intermináveis engarrafamentos naquela zona de Lisboa. “Portugal é tão
triste”. Lamentou-se ao passageiro do banco de trás. Depois, num largo sorriso,
olhando-o pelo retrovisor exclamou: “Por isso é que eu gosto dele.”
Peniche, 01 de Março de 2021
António Barreto
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