Grande Benfica, pobre
democracia
Quando, em 2015, o Partido Socialista
formou governo, pressenti que o Benfica ia ter problemas graves. Quarenta e um
anos de rumores, coincidências e evidências, definiram, na minha perceção, um
padrão no campo desportivo. Infelizmente não me enganei. Um mês não era passado,
da tomada de posse do novo governo, e já a comunicação social anunciava turbulência
no Ministério Público; procedia-se à sua reconfiguração conforme as prioridades
dos novos titulares do poder. Algum tempo depois, vem a público a notícia de uma
cimeira, realizada na Capital, entre os dirigentes dos principais rivais do
Benfica.
Não tardou a ser
disseminada, no espaço público, abundante informação confidencial do clube
encarnado denunciando, com grande espalhafato, alegados atos espúrios “congeminados”
ao mais alto nível.
Rejeitada a
providência cautelar pelo Tribunal de Primeira Instância da Comarca do Porto
por um Juiz adepto confesso do rival da nobre cidade, a reputação do Benfica e
dos seus dirigentes, foi devastada no pântano do espaço público durante cerca
de um ano.
Identificados os
autores da “proeza”, “por coincidência” próximos do clube rival, movidos os
correspondentes processos judiciais, aguarda-se, sem grande espectativa da
minha parte, trânsito em julgado da condenação proferida em primeira instância.
Já lá vão mais de 2 anos.
Paralelamente
sucederam-se as notícias de denúncias de irregularidades, anónimas umas, e do
então Presidente do rival de Lisboa outras, ao Ministério Público.
As “visitas” da
Polícia Judiciária ao Estádio da Luz aconteciam com invulgar regularidade e
sempre com grande espalhafato da comunicação social, em especial do jornal
diário que parece ter feito da descredibilização do clube da Luz uma missão.
Foram os casos dos tristemente
célebres vouchers, arquivados e reativados
sucessivamente, do diferendo do Presidente encarnado com os fisco conhecido
pelo “caso Lex”, das alegadas informações
irregulares dum funcionário, alcunhado de toupeira, de um Tribunal de Lisboa, e
das célebres “missas”, eventuais instruções aos árbitros para favorecerem o
clube. Apesar de, até ao momento, não ter sido proferida qualquer condenação
judicial, o efeito de degradação da idoneidade do Benfica e a consequente desestabilização
desportiva foi conseguido.
A uma situação
económica invejável até 2018, o Benfica juntava abundantes êxitos desportivos
internos, quer no futebol profissional quer nas modalidades. Enquanto os rivais
se debatiam numa situação de pré-insolvência, o clube da Luz saldava, quase
integralmente e antecipadamente, a dívida bancária - ao Novo Banco - e grande
parte dos empréstimos obrigacionistas, num total próximo dos 150 milhões de
euros. Na conta à ordem mantinha um saldo de cerca de 90 milhões de euros.
Foi, para mim sem
surpresa, que o autor do ato de pirataria informática aos ficheiros
confidenciais do Benfica, foi arvorado em “herói público” pelas “milícias” dos
clubes rivais que infestam o espaço público em todas as frentes, e reconvertido
em assessor das autoridades policiais, tendo, pelo caminho feito mais algumas “vítimas”
numa espécie de justificação à posteriori.
Para culminar todo
este escabroso processo o Presidente do Benfica em exercício foi preso por
alegados indícios de irregularidades cometidas no âmbito do escândalo das
dívidas ao Novo Banco e de transferências de jogadores do clube. Tal resultou
na perda de mandato, algo inédito, quer no regime democrático, quer no regime
autoritário de Salazar e Caetano!
Até Vale e Azevedo,
que parece ter sido condenado, informalmente, a prisão perpétua - a sucessão de
acusações parece não ter fim, apesar de ter cumprido o cúmulo jurídico de 17,5
anos de prisão; uma barbaridade nos tempos que correm -, foi acusado, condenado
e preso depois de sair da presidência do clube, na sequência do ato eleitoral
inerente.
Para a opinião
pública ficou a perceção de que o sorvedouro de recursos públicos em que se
transformou o Novo Banco, paradoxalmente designado por “banco bom”, era da
responsabilidade dos “grandes devedores”, em especial do Presidente do Benfica,
e não do Governo que negociou as condições da sua venda. Perfeito.
A única forma de
salvar as finanças dos clubes rivais era pois, a de garantir o seu acesso
direto à Liga dos Campeões. Foi o que sucedeu nos dois últimos anos, em que o
Benfica foi relegado, “à força”, para a terceira posição.
No campeonato
anterior, em 34 jogos o clube encarnado tem 2 penaltis - 2 -, assinalados a
favor, enquanto os rivais, salvo o erro, um teve 16 e o outro 8! Esta época repete-se
a façanha; além do diferencial de penáltis em favor dos rivais, o clube que vai
ganhar, ao que consta, tem mais de 8 horas de jogo em superioridade numérica! É
obra!
No confronto direto
com os rivais, o Benfica conseguiu ganhar um jogo com o da Capital apesar das
dificuldades jurisdicionais do mesmo. Já com o rival do Porto, somou duas dolorosas
derrotas; com uma expulsão, dois golos invalidados por fora de jogo, um de 4 cm,
outro de 2 cm, e um golo irregular validado ao rival - receção da bola com a
mão do finalizador! É demais!
Para este desfecho,
paradoxalmente, contribuiu o desempenho do VAR, o qual, tanto quanto tenho
visto, não passa de mais um instrumento contra o Benfica. Há casos
perfeitamente escandalosos, como o do último clássico, que, a meu ver, requerem
intervenção das autoridades policiais. Sim, quanto a mim são casos de polícia.
Após 48 anos de
rumores, coincidências e evidências, formei a convicção de que todos os casos
de erros grosseiros recorrentes, que quase sempre prejudicam o Benfica, têm raiz
política. Acredito que os agentes políticos dominantes, com destaque para o
Partido Socialista, jamais consentirão num Benfica poderoso como foi no
passado.
Na verdade entendo
que consideram o Benfica como um símbolo do salazarismo, e que, sem ser banido
por razões de incompatibilidade ética, deve ser contido, a fim de também o
desporto refletir a mudança do regime. Assim o Benfica é tolerado mas monitorizado,
controlado e regularmente, enfraquecido. A “democracia” exige novos campeões; ainda
alguém pensaria que a liberdade de abril não passa de um eufemismo metafórico.
Porém, há outras
causas no processo; a causa da regionalização. O Futebol Clube do Porto tem uma
missão política a cumprir, acredito que congeminada com o Partido Socialista,
de criar uma identidade regional, congregando as populações locais em torno do
clube contra o “centralismo de Lisboa”, representado pelo Benfica, identificando
este como inimigo comum.
Finalmente, a causa
da paz desportiva e cívica; a obsessão pelo Benfica de um homem doente, incapaz
de perceber o caráter nobre do desporto, incapaz de perceber que a conjuntura
histórica que fez do Benfica o clube prestigiado que é é irreversível e irrepetível,
que o ressentimento é mau conselheiro e denunciador de frustração e
subalternidade, que só a competência e lealdade desportiva suscitam o respeito
e admiração alheios, alimentou e difundiu um ambiente de ódio entre os adeptos
e populações que só é atenuada pelas vitórias do seu clube, dado o caráter
geralmente conciliador dos dirigentes e adeptos encarnados.
Neste contexto
percebe-se a subalternização dos restantes clubes da cidade invicta, Boavista
Futebol Clube e o Futebol Clube Salgueiros e o ostracismo e segregação de que
têm sido vítimas os adeptos benfiquistas que têm a coragem de o assumir.
Tudo isto se passa
aos olhos de todos, com a complacência de todos, com os encómios de alguns, e,
pasme-se, em nome da liberdade e da democracia! Chegámos ao vexame de assistir
ao alcandoramento a herói regional de um meliante conhecido por ameaçar os
árbitros de futebol e suas famílias e ao cruzar de braços das autoridades
policiais.
Os adeptos do
Benfica têm o poder que a democracia lhes confere; usem-no! Se o Partido
Socialista quer acabar com o Benfica, enfrentemos e combata-mos este partido,
denunciando-o publicamente e negando-lhe o voto. Não há democracia quando os
poderes públicos interferem no desporto favorecendo uma ou algumas das partes,
e, ou, omitindo o seu dever de cumprir e fazer cumprir, universalmente, a lei.
Peniche, 8 de Maio de 2022
António Barreto
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