Um Pouco de História (IV)
"É este o terceiro período, que vai desde o
fim do V século até o meado do VI - 490-553 (263-200 a.C.).É durante este
período que as guerras púnicas lançam a república numa vida nova. Aníbal acorda
os sentimentos particularistas dos italianos, e as sedições internas,
combinadamente com os resultados das vitórias sobre os inimigos externos,
trazem consigo a paralisia do movimento de assimilação nacional.
…
Era fatal que Roma se chocasse
com Cartago e a vencesse; mas essa oportunidade excelente importava, importou,
gravíssimas consequências. A assimilação dos povos italianos na nação latina ou
romana, assimilação que procedia gradualmente como todas as coisas naturais
orgânicas, paralisando, desorientou a política romana cuja originalidade, e
cuja força portanto, estavam na ideia nacional. Ofuscada esta, a república teve
de imitar o tipo cartaginês, o próprio tipo dos vencidos, petrificando numa
oligarquia que desorganiza a ordem social interna e domina tirânica ou imperialmente sobre províncias sem outro nexo com a Itália metropolitana além o da
dependência e do imposto. Nos impérios antigos governava um homem; em Cartago
imperador era uma cidade; em Roma foi uma nação embrionária, entregue também às
mãos de uma oligarquia aristocrática.
Um tal facto impediu que a nação, fundada já como ideia e como
sentimento, viesse a encontrar a consagração necessária de instituições adequadas;
e daí se seguiu a ruína inevitável da república, a sua dissolução num Império, e
o abortamento do plano tão extraordinariamente iniciado; porque só nos tempos
modernos as nações puderam achar instituições representativas mais ou menos
adequadas no congresso dos procuradores das cidades, as cortes medievais.
Todavia ainda neste acidente a história romana, desencaminhada do seu desenvolvimento
próprio pelas condições do local em que se deu, é um paradigma das histórias de
muitos povos; e entre esses, do povo hispano-português, cuja evolução foi
também sufocada pelo imperialismo que, achando no ouro ultramarino um apoio,
reagiu no nosso XVI século contra o movimento normal orgânico dos concelhos, fazendo
abortar o fomento da vida local democrática. Os conflitos entre as duas
evoluções, a interna ou orgânica e a externa ou expansiva, são de todos os
tempos. A conquista do mundo mediterrâneo pelos romanos é como a descoberta das
Índias e das Américas: as consequências e os resultados imediatos sobre o organismo
nacional são idênticos. Ao mesmo tempo que se paralisa a evolução nacional,
perverte-se a economia social; o poder petrificado torna-se pessoal -
oligarquia em Roma, absolutismo monárquico nos tempos modernos; a ponderação da
riqueza na mediania da vida agrícola desaparece perante o grande comércio;
forma-se um Capitalismo mais gravemente opressor do que o poder político, e com
o Capitalismo aparece sistematizada a exploração da maioria dos homens -
escravos na Antiguidade e na Renascença, proletários hoje em dia.
O velho que n’Os Lusíadas condena a viagem de Vasco da Gama no ato da
partida das naus, parece uma evocação de Catão, o Censor, condenando pela boca
da Roma antiga o desvairamento da nova república imperial cipiónica."
História da República Romana
Oliveira Martins
Buarcos, 18 de Junho de 2022
António
Barreto
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