Cortes Constitucionais de 1822
A liberdade de ensino
é um dos campos de combate político mais intenso da democracia portuguesa. em
que os partidos de esquerda defendem o controlo pleno do Estado de todo o
processo, e os de direita propugnam pela liberdade de ensino. De um lado, concebendo
o cidadão propriedade do Estado, impõe-se-lhe o estabelecimento de ensino, as
matérias curriculares e a certificação da aprendizagem, incluindo conceitos de
natureza ideológica que enformam o partido do poder. Do outro defende-se a
liberdade de escolha do estabelecimento de ensino, em conformidade com as preferências
de cada cidadão, com especial relevância da formação do espírito crítico, sem
prejuízo da submissão à certificação pública final aplicável.
Tendemos a pensar
que vivemos tempos de esplendor tecnológico e social, resultado de uma dinâmica
de progresso multidisciplinar contínuo, graças sobretudo à massificação e
evolução do sistema de ensino e ao aperfeiçoamento dos regimes políticos
democráticos.
Porém, nem sempre é
assim; deparamo-nos, por vezes, com temas atuais que foram estudados e discutidos,
com excelência, em tempos remotos. Foi o que constatei ao embrenhar-me na
leitura da “Discussão dos Artigos do Projeto da Constituição referentes ao
Ensino”, relativos aos artigos 215 e 216, nas Cortes Constituintes, em 29 de Março
de 1822, na sequência da revolução liberal de 1820
Discutindo-se o
sistema de ensino em Portugal - espantei-me ao verificar que eram as próprias
populações a exigir escolas ao Estado, que as não conseguia satisfazer integralmente;
a natureza do ensino público, as qualidades, dignidade e retribuição dos
professores, o ensino privado e a liberdade de ensinar e de aprender.
Chamou-me a atenção,
no referido debate, a intervenção do Deputado pela Baía, Cipriano José Barata
Almeida, firme defensor da independência do Brasil, que passo a reproduzir:
- Sou de
opinião que se suprima este artigo 216: porque convém que cada um ensine ou
aprenda à sua vontade. Nós estamos acostumados a fazer monopólio de tudo, e por
isso queremos fazer o mesmo com a cultura do espírito, ciências e belas letras,
como se foram tábuas, marfim, pau-brasil, etc. A cultura do homem pede
liberdade, e sem esta ele não pode ser feliz. É certamente tirania prender o
desenvolvimento das faculdades intelectuais. Há porventura maior violência do
que obrigar a tirar uma carta ou licença para poder ensinar? E se a não tira,
tomar-se-lhe conta disso, suspender-se e oprimir-se? Para o bem comum é preciso
que se não estabeleça monopólio da cultura do espírito. Por conseguinte deve
ser determinado que cada um possa ensinar e aprender a seu arbítrio com quem
quiser, sem que nenhuma autoridade lhe possa obstar: isto é necessário para que
os corregedores, as câmaras, ou outra qualquer autoridade não estejam sempre
embaraçando os professores com os seus exames, licenças e outras coisas
semelhantes. Queremos nós pôr censura prévia no espírito humano quando a
detestámos na tipografia? Longe de nós semelhante projeto.
Quanto às ciências maiores, diz o artigo,
que este importante objeto, será cometido a uma diretoria geral dos estudos: é
preciso que também se não faça monopólio, nem haja diretorias para nenhuma
ciência, mas que se facilitem as matemáticas, o direito, a medicina a quem
quiser aprender, e com quem quiser, e em qualquer parte, com toda a liberdade;
aliás tornaríamos, a pouco e pouco, para o antigo despotismo, para a ignorância
e escravidão.
Magnífico! O controlo dos espíritos dos cidadãos como via
para a ascensão ao poder e sua manutenção, continua atualíssimo, e é demonstrativo
da ausência de progresso, neste capítulo, em Portugal, apesar de decorridos
duzentos anos, da ascensão da República e do advento da democracia em 75.
Concluo que devemos
olhar melhor para o passado para percebermos o presente e desbravarmos os
caminhos do futuro com mais eficácia.
Peniche, 26 de Novembro de 2022
António Barreto
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