Esta crise é um grande teste. Perante a desgraça,
todos somos postos à prova. Para a maior parte de nós, esta situação é mesmo o
desafio da nossa vida. Um dia perguntarão o que fizemos na grande recessão,
como hoje dizemos da Guerra Colonial ou do 25 de Abril. Muitos terão de
responder sinceramente que foram parte do problema, não da solução. Terão de
dizer que protegeram benesses, sabotaram reformas, resistiram à mudança,
incitaram ao ódio.
A tentação da revolta e desânimo é bem compreensível.
O pior da conjuntura, o verdadeiro mal que cria no tecido social é a surpresa,
a desilusão, a indignação. Confiávamos no sistema que faliu e surgiu o oposto
do prometido. Muitos sofrem muito, mas o que mais ocupa os nossos protestos é o
desalento, a queixa, a fúria. Este país deixou-nos outra vez ficar mal. Ouvimos
muitas histórias degradantes de injustiças, mentiras, direitos violados,
inocentes sofrendo, corruptos e burlões. Grande parte é falsa, pois a fúria
cria o exagero, mas muitas são verdade. Assim, multidões de argumentos
justificam a atitude negativa. O efeito de todas é sempre promover propostas
repulsivas, nunca construtivas. A receita é denúncia, revolta, violência, nunca
compreensão, solidariedade, perdão.
Perante a indignação é fácil esquecer os valores que
sempre guiaram a nossa vida, ou que dizíamos que guiavam em tempos mais
serenos. Vemos pessoas honestas dizer e fazer coisas brutais. Quantos cidadãos
pacatos não repudiam agora a lei e a autoridade, rejeitam a democracia,
desprezam o País, recomendam violência e revolução, agridem o próximo? Todas
estas atitudes justificam-se como luta pela justiça, mas apenas produzem
vingança. Foi assim que surgiram as maiores barbaridades da história: Hitler e
Ben Laden diziam responder a ataques. Invoca-se a dor e a iniquidade, mas isso
apenas revela a fragilidade das antigas convicções, renegadas logo que
testadas.
Perante o embate é possível subir ou descer. Podemos
enfrentar ou criticar, inovar ou gemer, criar ou agredir. É agora que o nosso
carácter, a fibra, as raízes, as convicções profundas mostram o seu valor. O
embate é brutal e muitos cedem. É fácil desanimar, desistir, acusar, insultar,
agredir, odiar, mas o problema fica na mesma. Um pouco pior. Difícil é subir ao
nível da dificuldade e enfrentá-la. Vencer ou perder, mas encará-la. Como o
fizeram as gerações antigas em encruzilhadas bem mais duras.
O pior da crise não é o desemprego, as falências, a
pobreza, o desânimo. O mais negativo não é o peso financeiro, a recessão
económica, o choque social, a desorientação política, a paralisia cultural, o
bloqueio institucional. O pior da crise é o ódio. Só o ódio poderia realizar as
irresponsáveis previsões catastrofistas que dominam a imprensa. O ódio é a
única força que pode perpetuar o mal, deixando cicatrizes na economia, na
sociedade, na política e na cultura. A situação justifica repulsa, angústia,
desânimo, até mesmo desespero ou revolta. Mas não pode justificar o ódio,
porque nada o justifica. O ódio nunca nasce das circunstâncias, mas da atitude
face às circunstâncias. O ódio, mesmo mascarado de justiceiro, nunca tem razão.
É sempre um mal arbitrário, abusivo, inaceitável.
Portugal vencerá o teste, como venceu outros muito
maiores. Da crise nascerá um país mais justo, dinâmico e equilibrado. A única
dúvida é como cada um de nós se coloca neste processo. Como em épocas passadas,
podemos estar do lado do futuro ou da reacção. Podemos desistir, protestar,
exigir, gemer, insultar ou, pelo contrário, encarar as dificuldades, procurar
resposta, construir a solução. Destes, apenas destes sairá o novo Portugal. Não
é do Governo, política, troika, Europa, FMI, que ajudam ou complicam, e
geralmente complicam mais do que ajudam. A saída da crise depende de milhões de
cidadãos anónimos tentando melhorar a sua vida e encontrando a resposta. Se a
percentagem dos que vencem o ódio for superior à dos seus promotores, Portugal
passa o teste. Só o nosso carácter, a fibra, as raízes e as convicções
profundas nos permitirão vencer o desafio desta geração.
naohaalmocosgratis@ucp.pt
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve
segundo o novo Acordo Ortográfico
Estimado António Barreto, desejo-lhe um grande e feliz ano de 2013.
ResponderEliminarO mesmo para si, obrigado. Oxalá o nosso Benfas consiga superar as dificuldades e vencer.
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