Um interessante ensaio sobre a
arte, de leitura agradável, que nos ajuda a refletir sobre esta e outras facetas essenciais das sociedades
humanas, tais como a consciência religiosa e a fraternidade universal, desenvolvido
durante quinze anos pelo autor e publicado em 1898, numa época de plena expansão
da Revolução Industrial. Tolstoi ficou imortalizado pelas suas conhecidas obras
Guerra e Paz, Anna Karénina, a Morte de
Ivan Ilitch e Sonata Kreuzer. No ensaio, além desta obra, publicou também
Confissão.
Para Tolstoi, a arte não se reduz
à busca da perfeição estética, tão-pouco à expressão dos sentimentos do
artista, e muito menos à satisfação das classes abastadas. Esta, é a falsa
arte, distorção da arte verdadeira, da que brota do povo na vivência quotidiana
das suas angústias e alegrias; a arte cultivada pelas classes altas para seu
próprio prazer, é destituída de consciência religiosa e por isso, falsa.
A arte traduz-se na capacidade de
alguém, por qualquer meio, contagiar os outros com o seu próprio sentimento indutor
da fraternidade e união das pessoas, única forma de obter o progresso social
coletivo.
Na sua conceção de arte, Tolstoi,
concilia, com grande simplicidade, a ciência e a religião, imputando a ambas o
dever da prossecução do bem comum e atribuindo à arte a propulsão das sociedades
humanas, pela difusão implícita das descobertas científicas conformes aos valores cristãos.
Revelando um conhecimento invulgar
da produção multicultural da sua época e dos clássicos, Tolstoi não poupa
figuras consagradíssimas como Wagner, Beethoven, Miguel Ângelo, Shakespere,
Verlaine, Baudelaire e outros, considerando os seus trabalhos como exemplos de
arte decadente.
À semelhança da fusão entre ciência
e religião, este ensaio funde os conceitos do romantismo e do
realismo, atribuindo à expressão e contágio dos sentimentos do artista,
característicos daquele, a função moral da difusão e prossecução do bem comum,
próprios deste, deplorando a corrente esteticista, da arte pela arte, dada a
sua função restrita de satisfação de grupos sociais abastados, ociosos, dedicados
à perpetuação dos seus privilégios.
Numa revelação surpreendente,
aparentemente paradoxal, sobretudo para os nossos dias de compulsiva e asfixiante
normalização, considera o autor que a profissionalização da atividade artística, os críticos
de arte e as escolas de arte, constituem as principais causas de distorção e
decadência da mesma, considerando que a arte não se ensina e que, a habituação,
pode até fazer as pessoas gostarem da má arte. Porém, defende Tolstoi o ensino
da várias técnicas da arte nas escolas primárias, a fim de proporcionar a
plenitude da expressão dos genuínos sentimentos artísticos aos que, de entre o
povo, tenham talento para tal.
Vejamos como se define Tolstoi:
“Quem sou eu? Um dos quatro
filhos de um Tenente-Coronel na reserva, que ficou órfão aos sete anos de
idade, tendo sido educado por mulheres e por estranhos e que, sem qualquer
preparação mundana ou intelectual, se fez ao mundo aos dezassete anos…. Sou
feio, grosseiro, sujo e mal-educado, quando vejo as coisas como o mundo as vê.
Sou irascível, chato, intolerante e tímido como uma criança. Sou um labrego com
todas as letras. O que sei aprendi-o sozinho, mal, aos solavancos, de modo
descosido; e é bem pouco. Sou imoderado, indeciso, inconstante, estupidamente
vaidoso e expansivo com todos os fracos.
Coragem é coisa que não tenho. A minha preguiça é tal que a ociosidade se tornou
para mim uma exigência. Sou boa pessoa, entendendo por isso que gosto do bem,
fico mal comigo quando dele me afasto e é com agrado que volto atrás. Todavia,
há em mim uma coisa que pode mais que o bem: a glória. Sou tão ambicioso que, a
darem-me a escolher entre a glória e a virtude, receio bem que escolhesse a
primeira. Modesto é que não sou, sem sombra de dúvida. Por isso é que me vêem
com este ar de cão abatido, por fora, mas se querem saber o que é o orgulho,
olhem lá para dentro.”
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