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domingo, 8 de dezembro de 2013

O que é a arte?, por Lev Tolstoi (Gradiva)

por António Barreto:

Um interessante ensaio sobre a arte, de leitura agradável, que nos ajuda a refletir sobre esta e outras facetas essenciais das sociedades humanas, tais como a consciência religiosa e a fraternidade universal, desenvolvido durante quinze anos pelo autor e publicado em 1898, numa época de plena expansão da Revolução Industrial. Tolstoi ficou imortalizado pelas suas conhecidas obras Guerra e Paz, Anna Karénina,  a Morte de Ivan Ilitch e Sonata Kreuzer. No ensaio, além desta obra, publicou também Confissão.

Para Tolstoi, a arte não se reduz à busca da perfeição estética, tão-pouco à expressão dos sentimentos do artista, e muito menos à satisfação das classes abastadas. Esta, é a falsa arte, distorção da arte verdadeira, da que brota do povo na vivência quotidiana das suas angústias e alegrias; a arte cultivada pelas classes altas para seu próprio prazer, é destituída de consciência religiosa e por isso, falsa.

A arte traduz-se na capacidade de alguém, por qualquer meio, contagiar os outros com o seu próprio sentimento indutor da fraternidade e união das pessoas, única forma de obter o progresso social coletivo.

Na sua conceção de arte, Tolstoi, concilia, com grande simplicidade, a ciência e a religião, imputando a ambas o dever da prossecução do bem comum e atribuindo à arte a propulsão das sociedades humanas, pela difusão implícita das descobertas científicas conformes aos valores cristãos.

Revelando um conhecimento invulgar da produção multicultural da sua época e dos clássicos, Tolstoi não poupa figuras consagradíssimas como Wagner, Beethoven, Miguel Ângelo, Shakespere, Verlaine, Baudelaire e outros, considerando os seus trabalhos como exemplos de arte decadente.

À semelhança da fusão entre ciência e religião, este ensaio funde os conceitos do romantismo e do realismo, atribuindo à expressão e contágio dos sentimentos do artista, característicos daquele, a função moral da difusão e prossecução do bem comum, próprios deste, deplorando a corrente esteticista, da arte pela arte, dada a sua função restrita de satisfação de grupos sociais abastados, ociosos, dedicados à perpetuação dos seus privilégios.

Numa revelação surpreendente, aparentemente paradoxal, sobretudo para os nossos dias de compulsiva e asfixiante normalização, considera o autor que a profissionalização da atividade artística, os críticos de arte e as escolas de arte, constituem as principais causas de distorção e decadência da mesma, considerando que a arte não se ensina e que, a habituação, pode até fazer as pessoas gostarem da má arte. Porém, defende Tolstoi o ensino da várias técnicas da arte nas escolas primárias, a fim de proporcionar a plenitude da expressão dos genuínos sentimentos artísticos aos que, de entre o povo, tenham talento para tal.

Vejamos como se define Tolstoi:

“Quem sou eu? Um dos quatro filhos de um Tenente-Coronel na reserva, que ficou órfão aos sete anos de idade, tendo sido educado por mulheres e por estranhos e que, sem qualquer preparação mundana ou intelectual, se fez ao mundo aos dezassete anos…. Sou feio, grosseiro, sujo e mal-educado, quando vejo as coisas como o mundo as vê. Sou irascível, chato, intolerante e tímido como uma criança. Sou um labrego com todas as letras. O que sei aprendi-o sozinho, mal, aos solavancos, de modo descosido; e é bem pouco. Sou imoderado, indeciso, inconstante, estupidamente vaidoso e expansivo com  todos os fracos. Coragem é coisa que não tenho. A minha preguiça é tal que a ociosidade se tornou para mim uma exigência. Sou boa pessoa, entendendo por isso que gosto do bem, fico mal comigo quando dele me afasto e é com agrado que volto atrás. Todavia, há em mim uma coisa que pode mais que o bem: a glória. Sou tão ambicioso que, a darem-me a escolher entre a glória e a virtude, receio bem que escolhesse a primeira. Modesto é que não sou, sem sombra de dúvida. Por isso é que me vêem com este ar de cão abatido, por fora, mas se querem saber o que é o orgulho, olhem lá para dentro.”

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