Desporto

sábado, 29 de novembro de 2014

O que é o futebol, hoje?

      Algo entre a genuína paixão do adepto e a sofreguidão insaciável  de dirigentes, empresários e jogadores nos quais é difícil descortinar o fascínio que a arte deste desporto comporta. O valor de um atleta já não reside na beleza intrínseca dos lances que proporciona mas no valor monetário que encerra. "É preciso trazer dinheiro novo para o futebol", dizem os altos dirigentes, não percebendo que tal resulta da incapacidade deste se bastar a si próprio. Todo o dinheiro é benvindo, não importa donde desde que sejam salvaguardadas as aparências. E ele vem de toda a parte, da China, da Rússia, dos EUA, do México, do sector energético, do jogo....Os oligarcas compram clubes e transacionam atletas, compram afetos na busca do reconhecimento social que não conseguem pelo simples exercício da sua atividade de origem. Chegamos ao absurdo de assistir a jogos entre equipas cujos clubes têm o mesmo proprietário ou o mesmo financiador, como aconteceu ontem na 1ª Liga inglesa,  ficando o espectador sem perceber o que efetivamente se passa no terreno de jogo quando o avançado remata ao lado, o guarda-redes não chega á bola, o médio falha um passe, ou o árbitro assinala uma grande-penalidade, um fora-de-jogo ou invalida um tento.  Inicia-se - na verdade iniciou-se - a decadência, com jogadores, empresários e dirigentes a engordar as respectivas contas bancárias, e os clubes a definhar, iludindo-se os seus dirigentes na teia do endividamento, da multiplicação de jogos e no fervor dos "exigentes" mas ingénuos adeptos que pouco a pouco acabarão por se afastar, desiludidos e descrentes mas indiferentes às consequências do seu abandono.
 
      Por tudo isto não me causaram espanto as críticas do Presidente da Federação Alemã à FIFA, decorrentes do escândalo da atribuição dos próximos mundiais ao Qatar e à Rússia, nas quais chegou a recomendar à UEFA  o seu afastamento daquela organização. Na verdade, a FIFA age à rédea solta, parecendo não prestar contas a quem quer que seja, como se fosse um autêntico Estado; com leis, tribunais e receitas próprias, indiferente às denúncias que, cada vez com mais frequência, brotam um pouco por toda a parte. Tal circunstância transmite a ideia de impunidade constituindo um incentivo à prática da corrupção em toda a estrutura do futebol. Não é, pois, só a FIFA que merece crítica, também a UEFA e as federações nacionais suscitam as mais sérias desconfianças, nomeadamente pelo patente empenho no fomento do elitismo clubista. Nem a UE escapa; empenhada na defesa da livre circulação de pessoas e bens, parece não reparar ou não se interessar pelo drama dos clubes intermédios, que, para fazerem face à violenta sucessão de jogos e competições e à inevitável rotação de atletas, têm que sobredimensionar os seus quadros, comprometendo o hipócrita "fair-play" financeiro e a competitividade desportiva em benefício dos "tubarões" que com seus previsíveis ronaldos e messis, acabarão por saturar o adepto do futebol, menos interessado em artistas de circo, do que em mágicos da bola, de facto.
     
       A realidade atual do futebol português, apesar da convergência inesperada entre Benfica e Porto, suscita as maiores reservas, já que, a pré-falência da Liga se deveu ao afastamento cúmplice ou cobarde dos seus patrocinadores perante um projeto que visava a irradicação da doença que o devora e que tem raízes profundas num regime político anacrónico, claramente em fim de prazo.
 
      Quanto a mim, confesso que tenho dificuldade em acreditar no que vejo tal como parece ser desde que comecei a observar o lado oculto do futebol, seja a partir do célebre "Golpe de Estádio" de Marinho Neves, do "Máfia do Futebol" de Declan Hill, do caso da fruta ou a partir dos relatos dos casos dos manipuladores de de Singapura. Nada me parece ocasional e espontâneo. Pode ser defeito; admito. 
 
      Por exemplo, o Guimarães ganhou ontem ao Moreirense, segundo crónica do CM, graças a uma grande penalidade mal assinalada e a uma invalidação polémica de...Cosme Machado de um golo que seria o do empate, já no final da partida! Com esta vitória ascendeu o Guimarães, provisoriamente ao 1º lugar, pressionando o Benfica que regressa desgastado e desmoralizado pela derrota com o Zénit. Ora, os erros acontecem, é verdade, mas alguns dão que pensar; o FCP, tem sempre uma "lebre", para desgastar o seu principal rival, o Benfica. Desta vez é o Guimarães, que, rivalizando com o Braga, de candidato à descida na era anti-porto, passou à de candidato ao título na fase pró-porto subsequente. Por coincidência, o Secretário de Estado do Desporto e Juventude é Vimaranense e distinguiu-se pelo silêncio relativamente à demora da resposta da ERC à queixa da Liga contra a Olivedesportos e por fazer aprovar a Lei de Bases da Federações Desportivas que funcionou como "espada de Dâmocles" relativamente à Liga e aos clubes não afetos ao "sistema".  Também por coincidência, o Presidente do Guimarães foi um dos candidatos à sucessão de Mário Figueiredo alinhado com o grupo dos contestatários ao lado de Pinto da Costa.
 
      Por outro lado, quando observamos, na comunicação social, notícias de envolvimento de instituições governamentais, regionais ou municipais no financiamento, direto e implícito, dos "seus" clubes de futebol, percebemos que, nas quatro linhas, ocorrem fenómenos bem distintos do simples jogo da bola que, de fascinante, se torna entediante.

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