Jaime Alberto Gonçalves das Neves, faz o
seu batismo de fogo em Dezembro de 1962 em Úcua-Dange, no norte de Angola, onde
permanece até Setembro de 1964, como oficial de reabastecimentos do Batalhão 38,
mais tarde como comandante da Companhia de Caçadores Especiais 365 - CCE365 -de
que fora instrutor em Chaves. Depara-se com vestígios dos horrores da revolta
negra de 1961 e da, ainda mais brutal, resposta das tropas portuguesas, matando, fuzilando a eito.
Voluntaria-se para comandar a CCE365 em
resposta ao pedido dos respetivos soldados insatisfeitos com os formalismos do
seu comandante. A CCCE365 circula pelas
luxuriantes florestas do norte de Angola, por Zalala, Zemba, Quibaxe, Muchaluando
(próximo de Nambuangongo), Piri, Namaúa e Quicabo. Mal armada - com a FN cujo
cano incha após os primeiros tiros -, a CCE365 é flagelada em múltiplas
ocasiões, destacando-se Neves pela presença afetiva mas firme e competência
tática; um conforto para os soldados que que vêm reduzir as baixas para um
morto e vários feridos num acidente de viação. Numa destas ocasiões foi abatido
um avião e morre o filho do Treinador do Benfica Szabo quando se encontrava ao
serviço de uma companhia de cavalaria. Mantêm um distanciamento respeitoso em
relação aos pretos, defende-os contra os abusos dos colonos e presta-lhes assistência
médica através do médico da companhia, Agualusa. Trata os casos disciplinares
facultando ao faltoso optar entre “o papel selado” e o murro nos queixos, sendo
este último o castigo “voluntariamente” escolhido pelo “gebo” ou “coirão”. Recebe os primeiros louvores oficiais por
desempenho “exemplar” em combate.
Na fascinante Luanda, desataviada dos
preconceitos sociais e sexuais, Jaime Neves, ciente da volatilidade existencial de um guerreiro, dá livre curso à
sua exuberante faceta boémia semeando “penache”, em traje de caqui “à colonial”,
lenço vermelho, óculos Ray-ban e jeep, frequentando tudo que “cheire” a fêmea,
cansado das “sarapitolas” do mato; o bairro Marçal, o Bairro Operário e os abundantes
bares de “meninas”.
Regressado à Metrópole apresenta-se no
Regimento de Artilharia de Queluz em Janeiro de 1965 onde se inicia a sua saga
nos Comandos, cujo curso, há-de tirar no exigente Centro de Instrução de
Comandos de Luanda - CIC - no qual só cerca de um terço dos candidatos tem
sucesso. Depara-se com situação caricata a propósito do Eusébio que lá presta
serviço militar; com estatuto especial, o popular jogador do Benfica é alvo da
idolatria dos soldados que fazem fila para ver as suas botas e o seu potente
remate. Perante os protestos dos seus camaradas pelo atraso no pagamento dos
quinhentos escudos do subsídio de fardamento, Neves, benfiquista e “eusebista”,
dirige-se ao Comandante do Regimento na presença do respetivo primeiro-Sargento
e grita-lhes: - Onde está o dinheiro, caralho?! Mas isto trata-se da guerra ou
de apoiar o Eusébio?! Os futuros subordinados de Neves percebem logo ali que estavam
em presença de um chefe a sério.
No Vera Cruz regressa a Luanda, a caminho
do curso de Comandos, com mais de dois mil militares, passando as noites no jogo
do póquer com os seus camaradas oficiais e apresentando-se diariamente às sete
horas para ministrar aos seus homens dura sessão de ginástica matinal. O CIC
fica nas proximidades de Luanda na antiga chitaca do Sr Sousa e nele se
ministra a duríssima instrução de Comandos, quer no plano físico quer no
mental, e se adquire um forte sentido de corpo. Stanley Kubrick, nos primeiros
quinze minutos do seu filme “Full Metal Jacket” dá uma ideia parcial de um
curso do género. Dificultar a instrução para facilitar o combate é a ideia
geral e nas provas que ocorrem durante cerca de três meses, constam como pontos
mais altos a Prova de Choque e a Semana Maluca. Inspirado na Legião Estrangeira,
nos Cursos de Cristandade e nos Exercícios Espirituais de Santo Inácio de
Loyola, mentaliza o instruendo da justiça da morte quando na defesa da Vida e
da Liberdade. Assimilando o marialvismo os instruendos tornam-se fãs de toiros e
fados, consideram o amor um desejo de compaixão e a dor um instrumento de
fortalecimento. Ginástica de Aplicação Militar ou “Ginástica Até à Morte”,
formaturas de ferro, crosses, cambalhotas nas fossas de lama, cai levanta, quedas
na máscara, passo fantasma, milhares de tiros instintivo e de precisão com bala
real, exercícios de explosões de trotil, granadas e minas e muitos outros
exercícios resultam nalgumas fraturas, desidratações e, de vez em quando, um
morto. Hino Nacional, a música de Richard Anthony, de Richard Strauss, o tema
de Zaratustra de Richard Wagner, o Fado do 31 e o Portugal Campino fazem parte
do cardápio de “fortalecimento” mental dos futuros Comandos que culmina com o
famoso grito de combate “Mama Sumé” com que, mortíferos, investem de peito
aberto sobre o inimigo. Tudo superou Jaime Neves, sem queixas, incluindo os
castigos, apesar de mais velho - cerca de seis anos - que os restantes
camaradas, dando o exemplo aos seus futuros subordinados e aos camaradas da
Academia, que lhe atribuem a alcunha, a 2ª, de “Tigre”.
Nas folgas, na “cidade do pecado alegre” os
martirizados Comandos dão livre curso aos instintos, comprovando Neves poder ter
algo de verdadeiro a ideia de que o Império Português pode ter sido alcançado “pas
avec l’épée mais avec le pénis”, o exato oposto do Império Britânico “no sex
please, we are british”.
Por AB
Sintetizado de "Jaime Neves, Homem de Guerra e Boémio" da autoria de Rui Azevedo Teixeira, editado pela Bertrand
(Continua)
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