Afonso Dias, o camionista, foi condenado a três anos de prisão efectiva por envolvimento no desaparecimento do menino Rui Pedro. Um caso que devastou seus pais e sensibilizou todo o país, tal como outros que, com excessiva e angustiante frequência, têm ocorrido no país. Um tema tenebroso e velho de décadas. A mãe do menino não desiste de o procurar alimentando a ténue esperança de o encontrar com vida. Nada!, não há rasto do Rui Pedro! Não se sabe o que lhe aconteceu a partir de certa altura, quando deixou uma certa prostituta. Julga-se que, Afonso, seu grande amigo, sabe. Não imagino a intensidade da angústia semelhante à dos pais que não sabem o que aconteceu ao seu filho!
De tudo o que li sobre o tema não há provas concludentes da culpabilidade de Afonso Dias. No entanto, foi condenado, apesar do princípio jurídico do "in dúbio pro réu"! Porque foi Afonso condenado havendo dúvidas da sua culpabilidade? Admito que possa ignorar algo essencial do processo, mas, quanto a mim, Afonso foi condenado para apaziguar o sofrimento da mãe do Rui Pedro e ir de encontro à espectativa da comunidade, que nele precisam de ver "o culpado". E este é um tema da natureza humana profunda, desde os primórdios do "Australopithecus Africanus"; a compulsão da necessidade do "bode expiatório" como factor de compensação de perda.
Os sacrifícios religiosos de animais e até de seres humanos ao longo da história das sociedades humanas, associada às práticas religiosas ou afins, visavam ressarcir os deuses por "pecados" próprios ou de terceiros, ou suscitar a sua graça por uma causa futura. A autoflagelação, prática corrente em certas religiões, mais não é do que a tentativa de recuperação da inocência através da suscitação da comiseração divina pela via da sofrimento autoinflingido. Até nas coisas mais banais, como no futebol, este mecanismo funciona; sempre se procura algo ou alguém a quem atribuir a responsabilidade dos inêxitos pela simples razão de que atenua dolorosa realidade, que no fundo se conhece.
A sofrimento e o definhamento da mãe do Rui Pedro, pedia um culpado, um bode expiatório. Sangue pede sangue, não importa de quem, apenas sangue por conta de algo!, uma tradição bárbara que nem Cristo conseguiu extinguir, nem mesmo aos "cristãos"! Afonso Dias foi o melhor candidato. Acredito que, com esta condenação, os pais do menino, num primeiro momento, se sintam mais apaziguados por julgarem ter-se feito justiça. Mas sei que a dúvida da culpabilidade de Afonso acabará por os angustiar ainda mais. E no entanto, são pessoas que apenas não sabem lidar com o seu enorme sofrimento.
Confesso que não sei como se sai deste labirinto, a não ser pelas palavras sábias de Jorge Luis Borges...ou de Jesus Cristo, o Redentor!
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