Antes de mais há que perceber o impacto no treinador resultante da
mudança a que se sujeitou. Jorge Jesus atingiu os píncaros da popularidade no
Brasil graças à invulgar sucessão de êxitos, entre os quais a desejada Taça
Libertadores. Treinador de uma equipa competitiva, o Flamengo, admirado em todo
o Brasil, consagrado internacionalmente, Jorge Jesus regressa a um campeonato
paroquial, falido, onde abundam e permanecem as velhas e saloias picardias. Com
as espetativas de consagração internacional fragilizadas e agravadas pela
instabilidade diretiva que se verifica no clube de destino, o Benfica, é
natural a emergência dum certo desencantamento e, talvez até, arrependimento.
Inevitavelmente, o estado de deslumbramento com que vinha chocou com a
mediocridade do estado da arte no velho Portugal e isso refletiu-se no seu
ânimo. Talvez Jorge Jesus careça de motivação. Não sei se o atual Benfica e o
futebol nacional estará à altura das suas espetativas.
Em segundo lugar está a construir-se uma equipa nova; todos os setores
estão em reconstrução. Poucos são os jogadores titulares que transitaram: Odisseyas, Grimaldo, André Almeida, Pizzi, Gabriel, Taarabt e Rafa, sendo que
Grimaldo acaba de regressar de lesão, André Almeida continua lesionado, e
Gabriel, após recuperar de lesão, contraiu o vírus, tal como sucedeu a Pizzi e
Darwin em plenitude de forma. A agravar tudo isso, um calendário desportivo
exigente, no clube e nas seleções, retira, ao grupo, disponibilidade para o
treino.
Em terceiro lugar os efeitos da pandemia estão a revelar-se
particularmente nefastos para o Benfica, diretamente, afetando jogadores
nucleares em momentos chave, como foi o caso de Pizzi e Gabriel, em vésperas de jogo com o Porto, e indiretamente, retirando
ao coletivo o fator motivacional resultante da ausência de público.
Em quarto lugar neste momento o Benfica carece de liderança eficaz. Com
uma situação económico-financeira equilibrada a política de comunicação do
clube peca por ausente. Graças a esta política, mantida ao longo dos últimos
anos, o espaço público foi totalmente dominados pelos rivais e outros detratores.
Ora, se é verdade que só equipas competitivas ganham campeonatos, também é
verdade que, no atual contexto do futebol português, isso não é suficiente. Há
muito jogo fora das quatro linhas e a vários níveis, começando pelas
instituições que supervisionam o futebol, onde a transparência é uma ficção e a
atitude persecutória ao Benfica é um facto indesmentível.
Envolto em sucessivos escândalos bancários e judiciais, limitado por múltiplas
idiossincrasias, Filipe Vieira é hoje uma pessoa fragilizada perante a opinião
pública e grande parte dos benfiquistas, cada vez mais isolado, sem autoridade
moral para travar a batalha ética de que o Benfica e o futebol nacional carecem.
Tais circunstâncias criaram um ambiente desfavorável, acentuado pela humilhação
do fracasso da contratação do Cavani.
As más exibições e os insucessos
desportivos imediatos poderão criar um ambiente depressivo que,
inevitavelmente, afetará o grupo de trabalho, com possibilidade de emergência de
um novo ciclo vicioso. Julgo mesmo que estamos nessa fronteira.
O destino imediato do Benfica reside na
capacidade do seu atual treinador reinventar e consolidar o futebol da equipa, e
da competência da tão enaltecida estrutura suprimir a contento, no mercado de
Janeiro, as posições de que a equipa carece. Desta vez não há margem de erro.
Peniche, 3 de Janeiro de 2021
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