A Batalha de Zama
“Na cauda de tudo, atrás dos carros das
máquinas de guerra e das últimas filas dos esquadrões, desenrolavam-se as
récuas de camelos e dromedários, mugindo rouca e longamente, carregados de
bagagens, de vitualhas, de munições, com colares de guizos e chocalhos ao
pescoço; e por entre as récuas insinuava-se a multidão de mulheres de
mercenários, de todas as formas, de todas as cores, de todas as idades: umas
trigueiras como tâmaras maduras, outras da cor esverdeada das azeitonas, outras
amarelas como cidras; vendidas umas pelos marinheiros, roubadas outras às
caravanas, tomadas nos saques das cidades, amadas enquanto moças e belas,
deitadas para o monturo da imundice depois de terem servido às orgias do
exército inteiro, para irem morrer pelas margens dos caminhos com as bestas de
carga abandonadas. Eram númidas vestidas de pele de dromedário, cirenaicas de
sobrolhos pintados a azul acocoradas sobre esteiras tocando liras e cantando,
siracusanas com placas de ouro nos cabelos, lusitanas de colares de conchas,
gaulesas vestidas de peles de lobo, líbias montadas em burros, negras do Sudão
e dos confins da África incógnita - esperando todas que a batalha terminasse
para começar a orgia e se entregarem nos braços dos soldados ensopados em
sangue. Por entre as mulheres estavam os velhos, as crianças, os estropiados,
os coxos detritos das batalhas, resíduos miseráveis da guerra, curando as suas
chagas, com um resto de armadura amolgada por pedras de catapulta, com as
barbas e os cabelos espessos empastados em lama, com cotas de malha despedaçados
através de cujos rasgões se viam as cicatrizes mal fechadas de feridas
horrendas que os cães lambiam caridosamente. Os coxos abordoavam-se aos cotos
das lanças partidas.”
Peniche, 14 de Novembro de 2021
António
Barreto
Créditos:
“A História da República Romana” de
Oliveira Martins
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