O Fim de uma era (3)
Os dias seguiam
pachorrentos a 16 a 18 nós, por aí. Nos portos não havia ordem de sair. O tempo
de permanência era o suficiente para a manobra da carga. Luanda, Lobito -
talvez Moçâmedes, Cape Town e Durban
(não estou certo) -, Lourenço Marques e Beira.
Desta vez não tive oportunidade
de dar umas braçadas nas águas calmas, translúcidas e cálidas das praias da
Barracuda, em Luanda, da Restinga no Lobito, da baía de Moçâmedes, nem na
piscina do Ferroviário, em Lourenço Marques. Na passagem do Cabo, o avistamento
da ilha de Robben - onde Nelson
Mandela estava preso -, e da Table
Mountain, era sempre um acontecimento.
Na Beira desembarcou
o imediato, meu tio João. A turbulência que se vivia nos portos ultramarinos,
com greves múltiplas e sucessivas, à semelhança do que sucedia na Metrópole, impedia
qualquer previsão fiável, suposta causa de dissidência com o Comandante. Tive
pena, gostava de o ver por ali. O 1º Piloto Bettencourt,
homem cordial e popular, subiu a imediato.
Da Beira seguimos
para a Ilha de Moçambique. Desta vez tivemos permissão para ir a terra - por
pouco tempo - talvez por anteceder a longa travessia do Índico. Talvez o
Comandante Manaças nos quisesse premiar pelos cerca de 30 dias antecedentes, “diretos”.
A ilha, que teve
importância estratégica na rota comercial de Portugal no Índico, nos séculos XV
e XVI, fora alvo das investidas dos holandeses no século XVII - destaque para
os cercos de 1607 e 1608 -, onde, por essa época, se instalaram os Jesuítas e
se deu início ao comércio de escravos para o Brasil, entrou em declínio no
século XIX após a independência desta colónia - 1822 - e a proibição da
escravatura em 1837.
Todo um acervo monumental atesta a sua
importância e a presença lusitana; a Fortaleza de São Sebastião, o Forte de São
Lourenço, o Fortim de Santo António, a Capela de Nossa Senhora do Baluarte, o
Palácio e a Capela de São Paulo, a Igreja da Misericórdia, o Convento de São
Domingos, a Igreja de Nossa Senhora da Saúde, o Hospital, e outros.
A missão evangélica
Católica da epopeia ultramarina de Portugal, contraofensiva à expansão islâmica
Otomana, travada na batalha de Lepanto em 1571, com participação de uma
esquadra portuguesa, está bem demonstrada pela profusão de monumentos
católicos.
Do lado oposto, a
cidade de Macúti – macúti: folhas de
coqueiros usadas na cobertura das palhotas -, construída pelos autóctones
quando, no século XIX, lhes foi franqueado o acesso à cidade!
Baltazar Rebelo de
Sousa, Governador-Geral de Moçambique de 1968 a 1970, destacou-se, entre outras
coisas, pelo papel que desempenhou na integração da comunidade islâmica da
região, objeto de discriminação económica, social e institucional,
estabelecendo acordos com os respetivos chefes na sequência de negociações realizadas
precisamente na Ilha de Moçambique.
Uma esplêndida luminosidade matinal banhava a
ampla praça quadrilátera, irregularmente pavimentada a cimento e limitada por
edifícios de dois a três pisos, de cores variadas, com destaque para o rosa,
amarelo e branco, salvo-o-erro. No meio estacionavam quatro riquexós pretos, impecáveis,
com os respetivos operadores, negros, ao lado. Nunca tinha visto! Fiquei
chocado. Aquilo parecia-me surreal!
O Basso: - Vamos dar
uma volta pela ilha, Barreto. - Recuso-me a andar numa carroça puxada por um
homem. - Eh, pá, mas eles agradecem, ganham um dinheirinho, é a vida deles. - Não
me sinto bem com isso. - Hoje estou arrependido; teria ficado a conhecer melhor
a ilha.
Apareceram uns
colegas com um roteiro e juntámo-nos a eles numa visita aos principais
edifícios e monumentos locais. Todos tínhamos consciência do valor simbólico e
Histórico da Ilha e foi com certa emoção que calcorreámos as ruas da cidade.
Porém, não visitámos o outro lado; alguém terá dito que não era seguro e o
tempo escasseava.
Finda a inesquecível
visita, regressámos a bordo prontos para largar rumo a Madagáscar.
(Continua)
Peniche, 05 de
Janeiro de 2023
António
Barreto
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