Com o rigor científico do costume, posso
garantir que o nosso esquelético PIB subiu uns, vá, 0,25% quando o aríete eslavo furou as redes da agremiação norte-coreana.
Assim que se consumou, aquela geometria metafísica desenhada por Gaitán,
Melgarejo, Lima, Cardozo e Matic animou os bolsos da pátria. Só em
consumo de cerveja e tremoço, a economia teve ali um estímulo como há muito não
tinha. Porque aquele golo não é apenas um golo. Aquele golo tem de ser
descrito no plural: são e serão sempre seis linhas rectas unidas pela fé
e pela memória. Daqui a 20 anos, várias conversas regadas a cerveja e
rodeadas de cascas de tremoços começarão com o "lembras-te daquele golo do
Matic quando fomos campeões em 2013?". Aquilo é um recorte de memória para
emoldurar, tal como a trivela de Kulkov em Leverkusen, tal como a cabeçada de
César Brito nas Antas, tal o míssil de Isaías em Londres, tal como a bicicleta
de Miccoli em Liverpool.
Como dizia há pouco, o golo de Matic já
está na memória do futuro mas também está na fezada aqui e agora. O jogo
reforçou a minha fé na vitória no campeonato. Os nervos do clube rival são,
aliás, um bom sinal. Cresci com o Benfica a ser esmagado pela agremiação
norte-coreana. Há uns 10 anos, se levasse um golo logo aos 5 minutos, o Benfica
sairia do estádio com uma goleada. No domingo, vi uma coisa diferente, vi o
Benfica dar a volta frente aos norte-coreanos. E isso é uma ruptura
epistemológica, pá, é o mesmo que ver uma bola subir uma rampa sozinha,
desafiando todas as regras da gravidade. A equipa aguentou-se, virou duas vezes
o resultado e podia ter vencido com toda a justiça. Sim, com toda a justiça.
Ai, ai, o adversário controlou o jogo, blá-blá-blá, ai, a semiótica do
meio-campo, ai, a cultura da posse de bola, blá-blá-blá.
Jogar à bola é rematar à baliza ou é andar
a brincar com ela? Na segunda parte, o Benfica teve as únicas chances de golo.
Se tivesse rins, Jardel teria rodado para o golo; se tivesse olhos, Salvio
teria metido a bola num Cardozo tão isolado como um homem honesto no parlamento;
se não tivesse a cabeça nas arábias, Aimar teria cabeceado para um golo anulado
pelo bandeirinha; se um raio tivesse fulminado Helton, Cardozo teria feito o
golo da sua carreira. Enquanto o Benfica dava este espectáculo de desperdício,
o adversário não rematou à baliza na segunda parte. Acabámos por cima, com o
guarda Abel a fazer substituições defensivas. Ah, pois, a semiótica do
meio-campo, já me esquecia.
PS: já agora, a semiótica do meio-campo
deu 50% para cada lado. Mas a ladainha pegou. Parece que o Benfica tem de
comprar um Barthes para o meio-campo.
Sem comentários:
Enviar um comentário