Num Estado de Direito democrático, a Lei modera a vida dos cidadãos livres que aceitam cumpri-la como contrapartida da sua integração na respetiva sociedade. Aos Tribunais compete dirimir os conflitos emergentes, e aos mandatários dos cidadãos - Magistrados do Ministério Público -, identificar e levar à presença dos Tribunais os autores de crimes públicos. Perante a ancestral tentação de abuso de poder do homo sapiens e apesar da evolução cultural, religiosa, tecnológica e política que o transformaram no homem moderno, contrariamente aos desígnios de Sócrates para a sua República, é no poder judicial que reside o garante da coesão social e do progresso. Para que tal se verifique, porém, é imperioso garantir a independência, universalidade, transparência, coerência e celeridade da Justiça, requisitos associados à cultura cívica dos respetivos profissionais e à diligência do poder executivo. Pode dizer-se que uma sociedade entra em decadência quando os seus cidadãos deixam de confiar no sistema judicial, e, se "a Justiça julga os casos, o Povo julga a Justiça". É pois enquanto povo que me atrevo a tecer algumas considerações sobre alguns casos que afetam dirigentes do clube de que sou associado, mediante a informação que tem vindo a público.
O primeiro caso, que acaba de ser arquivado pelo Ministério Público (MP), é o dos bilhetes que o Ministro das Finanças parece ter pedido ao Benfica, para assistir a um jogo de futebol, tendo obtido acesso ao camarote presidencial para o efeito por deferência da respetiva Direcção.
Nada a assinalar, nem indício de ilícito nem digno de censura; nenhum membro de qualquer dos órgãos de soberania perde os seus direitos de cidadania. Contudo, conforme as designadas "regras não escritas", algumas já convertidas em código, espera-se de um dos titulares de soberania, alguma reserva e prudência de conduta. Não tem qualquer razoabilidade esperar-se que um Ministro se disponha a "enfrentar" a fila da bilheteira para assistir a um jogo. Contactar os serviços do clube a pedir bilhetes, parece-me, pois, apropriado, mas também é verdade, que poderia tê-los adquirido no serviço on-line, poupando-se a contrariedades previsíveis, tendo em conta a "chafurdice" em que vive a política lusa. Provavelmente, não resistiu à deferência com que esperava ser tratado pelos dirigentes do "seu" clube. Provavelmente. Já da parte do clube nada há a assinalar; os seus responsáveis agiram conforme as regras de cortesia internas e socialmente aceitáveis. Os camarotes presidenciais têm, precisamente, esse fim, acomodar dirigentes e figuras notáveis, a convite.
Contudo parece haver indícios de favorecimento de entidade privada, associada ao Dirigente máximo do clube em causa, em sede fiscal. Tal poderia ser entendido como contrapartida pela oferta de lugares e assim, a verificar-se, configuraria a ilícito de tentativa de corrupção para ato lícito, verificada a conformidade legal da decisão correspondente da Autoridade Tributária, bem como o nexo de causalidade entre as duas circunstâncias. É neste âmbito que se pode considerar imprudente a iniciativa do governante em causa, mais do que a do clube, cuja recusa consubstanciaria uma descortesia grosseira e, até, hostil. Tendo em conta a improbabilidade de prova de nexo de causalidade, e o alarme social associado à publicitação do caso, não custa considerar igualmente imprudente a condução do processo pelos agentes da Justiça, apesar do rápido arquivamento do caso.
Concluindo, o caso exigia discrição no apuramento da verdade, o que, não se tendo verificado, deixou, injustamente, o labéu da promiscuidade e da censura pública nas pessoas envolvidas, mácula quiçá, indelével na sua honra e dignidade, configurando um ato displicente por parte das autoridades públicas, cujo contrato social é, precisamente, contrário: zelar pelo direito do cidadão à sua honra e dignidade.
(continua)
O primeiro caso, que acaba de ser arquivado pelo Ministério Público (MP), é o dos bilhetes que o Ministro das Finanças parece ter pedido ao Benfica, para assistir a um jogo de futebol, tendo obtido acesso ao camarote presidencial para o efeito por deferência da respetiva Direcção.
Nada a assinalar, nem indício de ilícito nem digno de censura; nenhum membro de qualquer dos órgãos de soberania perde os seus direitos de cidadania. Contudo, conforme as designadas "regras não escritas", algumas já convertidas em código, espera-se de um dos titulares de soberania, alguma reserva e prudência de conduta. Não tem qualquer razoabilidade esperar-se que um Ministro se disponha a "enfrentar" a fila da bilheteira para assistir a um jogo. Contactar os serviços do clube a pedir bilhetes, parece-me, pois, apropriado, mas também é verdade, que poderia tê-los adquirido no serviço on-line, poupando-se a contrariedades previsíveis, tendo em conta a "chafurdice" em que vive a política lusa. Provavelmente, não resistiu à deferência com que esperava ser tratado pelos dirigentes do "seu" clube. Provavelmente. Já da parte do clube nada há a assinalar; os seus responsáveis agiram conforme as regras de cortesia internas e socialmente aceitáveis. Os camarotes presidenciais têm, precisamente, esse fim, acomodar dirigentes e figuras notáveis, a convite.
Contudo parece haver indícios de favorecimento de entidade privada, associada ao Dirigente máximo do clube em causa, em sede fiscal. Tal poderia ser entendido como contrapartida pela oferta de lugares e assim, a verificar-se, configuraria a ilícito de tentativa de corrupção para ato lícito, verificada a conformidade legal da decisão correspondente da Autoridade Tributária, bem como o nexo de causalidade entre as duas circunstâncias. É neste âmbito que se pode considerar imprudente a iniciativa do governante em causa, mais do que a do clube, cuja recusa consubstanciaria uma descortesia grosseira e, até, hostil. Tendo em conta a improbabilidade de prova de nexo de causalidade, e o alarme social associado à publicitação do caso, não custa considerar igualmente imprudente a condução do processo pelos agentes da Justiça, apesar do rápido arquivamento do caso.
Concluindo, o caso exigia discrição no apuramento da verdade, o que, não se tendo verificado, deixou, injustamente, o labéu da promiscuidade e da censura pública nas pessoas envolvidas, mácula quiçá, indelével na sua honra e dignidade, configurando um ato displicente por parte das autoridades públicas, cujo contrato social é, precisamente, contrário: zelar pelo direito do cidadão à sua honra e dignidade.
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