As castas
A supressão dos
privilégios da aristocracia e do clero, característicos das monarquias, pelos
regimes republicanos - fundados na tripla utopia, liberdade, igualdade e
fraternidade -, não obstou à emergência de novas castas e correspondente
cortejo de privilégios. Castas relacionadas com a esfera partidária, judicial,
militar, económica e do alto funcionalismo público. A desigualdade começa aqui,
desacredita a República e a democracia, perpetua-se e tende a agravar-se com as
sucessivas gerações. A casta partidária, geralmente instalada na administração
pública e com acesso às instâncias de poder, atribui-se a exclusividade da
representatividade política. A ascensão política extemporânea de D. Trump, um outsider pragmático, financeiramente independente, oriundo da
sociedade civil, vinculado à defesa dos interesses da América profunda, contra
os poderes instalados, fez soar o alarme, não só entre o partido oponente como
no interior do seu próprio partido. A sua lógica fora do filtro partidário
suscitou compulsivas reações hostis radicadas no medo da perda de privilégios e
de poder. A sua figura grotesca, o ar desajeitado, o discurso meio
desarticulado e um passado social e económico polémico, forneceram pasto
abundante à maledicência dos adversários. Ao bom estilo socrático, a uma figura
caricatural, diabólica, está vedada a produção de boas ideias. Como tal nem
vale a pena discuti-las. Apenas afastar a criatura para bem longe, catalogando
os seus apoiantes com a habitual parafernália de epítetos vexatórios;
estúpidos, incultos, ignorantes, atrasados, etc..
O Declínio dos
Candidatos
Um breve olhar pelos Presidentes dos EUA dos
últimos 50 anos permite constatar um declínio dos respetivos perfis. Neste ato
eleitoral chegam ser patéticas as mútuas acusações de incompetência dos
candidatos, inclusive entre membros dos respetivos partidos. Se D. Trump é considerado rude e boçal, J. Biden é apelidado de senil,
taralhouco. Nenhum destes classificativos seria aplicável a Ronald Reagan, Bill Clinton, George H. W.
Bush ou Obama. Parece haver um estranho mecanismo na democracia americana,
a confirmar a velha máxima de Adam Smith,
segundo o qual a má moeda afasta a boa moeda. Mais uma vez trata-se de uma
característica de quase todas as democracias, visível em Portugal, Espanha,
França, Reino Unido e Itália onde se tem assistido a fenómenos idênticos, seja
emergindo do seio dos partidos de poder, seja na sequência da emergência de
novos partidos. Talvez o jogo democrático tenha resvalado para uma espécie de
aviltamento que afasta as verdadeiras elites da causa pública. E isso constitui
uma ameaça às democracias.
Forma e conteúdo
Diz o bom povo; “As
aparências iludem” e “quem vê caras não vê corações”, aforismos que permanecem
atuais em qualquer vertente da atividade humana e em particular na política,
essa arte simultaneamente nobre e aviltante da persuasão. A forma precede o
conteúdo. Vê-se por todo o lado e em todo o lado. Viu-se exuberantemente, exageradamente,
despudoradamente, com D. Trump, nos
Estados Unidos, mas também em Portugal. A sua figura meio grotesca, meio
patética, a sua retórica rudimentar, direta, proporcionaram vasto campo de
enxovalhamento pessoal. Nenhuma boa ideia poderia sair de figura tão
repugnante. Um conceito puramente nazi. Choveram acusações de todo o género; de
corrupção, de traição ao país, de racismo, de xenofobia, de homofobia, de
machismo, de violação, etc. etc. Pelo Frankenistein
que ocupava a Casa Branca todas as monstruosidade eram praticáveis e prováveis.
Raramente se encontrava uma análise crítica exaustiva ao seu programa de
governo nos meios de comunicação social. Especialmente em Portugal. A tática é
simples e recorrente; desacreditando-se a pessoa desacreditam-se as suas
propostas evitando-se o confronto de ideias cujo resultado pode ser o contrário
ao pretendido.
Peniche, 8 de Dezembro de 2020
António Barreto
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