Não sei se Marcelino da Mata tinha simpatia por algum clube. Nem tão
pouco sei se gostava de futebol. O seu falecimento trouxe à tona a ferida, ainda
bem viva, dos traumas da guerra colonial. Em quarenta e seis anos de
democracia, da narrativa da tolerância, não se fez a tão necessária
reconciliação nacional. Não se deu o abraço fraterno sem o qual em vez de
progresso viveremos um permanente mal-estar social, económico e político. Pelo
contrário, alguns Partidos empenham-se em remexer, avivar, infetar a velha
ferida, congregando para a sua esfera as alegadas vítimas, apelando ao
ressentimento e à vingança.
Marcelino da Mata foi um português negro que arriscou a vida pela sua
Pátria. Que se distinguiu por atos de bravura ao nível dos mais distintos
portugueses. Na guerra colonial, ninguém tem as mãos limpas; nem os
guerrilheiros das forças independentistas, nem os que fugiram da guerra, ainda
que por objeção de consciência, nem os arautos da paz que semearam, e semeiam,
guerra por todos os continentes. Nem sempre militar, mas guerra. Guerra com
vítimas.
O que os vis detratores de Marcelino da Mata não suportam é que, o Estado
Novo, regime que consideram fascista, tenha atribuído a um negro as mais altas
condecorações. Um negro que, entrando nas Forças Armadas como soldado raso,
atingiu o posto de tenente-coronel. O elevador social, bandeira das democracias,
também funcionou no regime autoritário de Salazar. A qualidade racista que,
teimosamente, atribuem ao povo português, desmorona-se com o caso de Marcelino
da Mata. E há muitos casos como o dele. Não com notoriedade idêntica, mas, sim,
há muitos mais. Todos os grandes chefes das forças independentistas, com
exceção, em parte, de Eduardo Mondlane,
foram formados nas escolas portuguesas ou em escolas estrangeiras, financiados
por Portugal.
Em quarentas e seis anos de democracia, à exceção de um ou outro caso -
atualmente o Primeiro-Ministro e a Ministra da Justiça -, menos que os dedos de
uma mão, não se vêm negros nem ciganos, nem pessoas de outras etnias, entre os
quadros partidários, e, por inerência, nem no parlamento. Nem na alta
administração pública. Nem nas administrações locais, salvo um ou outro caso.
Tal demonstra que a retórica do racismo, da igualdade e, já agora, da
liberdade, como bandeira da democracia, está bem longe da realidade. Não passa
disso mesmo, retórica, instrumento político, proselitismo.
Marcelino da Mata foi de novo enxovalhado, agora num momento que deveria
ser de silêncio e respeito, pelos herdeiros ideológicos dos que o torturaram
violentamente no RALIS. Dos que perseguiram e ameaçaram Jaime Neves e a sua
família, apesar de já retirado da vida ativa.
Marcelino da Mata é um símbolo do Estado Novo. E é essa qualidade que a esquerda
quer destruir, denegrir, enxovalhar. Transformar um bravo militar num vil
assassino a soldo do “tenebroso ditador”. Segundo estes apátridas “defensores
da liberdade”, a Pátria de Marcelino não deveria ser a que ele escolheu, mas a
que eles gostariam que fosse.
O Benfica é alvo do mesmo fenómeno. É visto pelos mesmos setores da
sociedade como símbolo do salazarismo. Como um alvo a abater. Isso mesmo se
verifica na comunicação social, escrita e audiovisual, onde, sistematicamente, se
corrói a imagem do clube, por vezes sordidamente. Mas também a nível institucional
se assiste ao silêncio e, por vezes, desdém insultuoso com que os assuntos do
clube são tratados. Tal abrange, não só, as instituições desportivas, onde é
notória a atitude persecutória, ao nível do jogo e do sancionamento disciplinar,
como as instituições públicas, governativas e judiciais, permissivas
relativamente aos detratores do clube e diletantes nas ações de ressarcimento
levantadas por aquele.
Da mesma forma que votam os ex-combatentes do ultramar ao desprezo por
não terem derrubado o regime, culpam o Benfica por ter sido utilizado pela
propaganda salazarista. Clube multirracial, nos anos 60 e 70, a excelência do
seu futebol suscitou a admiração geral fora de portas. Num país pequeno e pobre
um clube dava cartas no futebol internacional. Com jogadores pretos e brancos, alguns
filiados nos movimentos nacionalistas africanos - Santana e Coluna -, onde,
pela primeira vez num clube europeu um negro era Capitão de equipa, o Benfica,
paradoxalmente, praticava a democracia interna e albergava dirigentes antifascistas,
como Ribeiro dos Reis e Borges Coutinho.
Porém, foi uma lufada de ar fresco no regime autoritário, que concitou
um outro olhar externo sobre o pequeno Portugal. Um microcosmos do projeto de
Salazar de construção dum país multirracial e pluricontinental. Um microcosmos
de sucesso, agregador dos portugueses de aquém e de além-mar, que servia a um regime
autoritário. É isto que certos setores da sociedade portuguesa, as esquerdas,
não perdoam ao Benfica. É este fator que tem sido explorado ad nauseum pelos seus inimigos,
abertamente nuns casos, implicitamente, cobardemente noutros.
Enxovalham Marcelino da Mata, manifestam-se pela destruição dos brasões
da Praça do Império e pela demolição do Padrão dos Descobrimentos. Acusam os
portugueses de racistas, homofóbicos e xenófobos, vilipendiam o Fado e a
Igreja, e ostracizam o Benfica. Apavoram-se com as alusões ao salazarismo
quando o popular clube encarnado ganha. Toleram-no, mas num plano secundário, subjugado
às virtudes da “democracia”. Em Portugal, os ciclos desportivos seguem os
ciclos políticos. E há políticos que fazem prova de vida e de filiação “democrática”
perseguindo o Benfica e os seus dirigentes.
Os benfiquistas, onde quer que estejam, o que quer que façam, de todos os extratos sociais e etários, devem tomar consciência desta realidade e defender o seu clube.
Peniche, 20 de Fevereiro de 2021
António Barreto
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