O setor dos lanifícios, mais antigo, mais atrasado, empregava, em 1881, 1381 operários. Na Covilhã, centro tradicional, havia 73 fábricas, algumas modernizadas. Pela região, Gouveia, Ceia, Manteigas e Guarda, desenvolvia-se a atividade em 43 oficinas rudimentares. Para este núcleo, a ameaça vinha das fábricas de Lisboa e arredores; Daupias, Arrentela, Olivais, Oeiras e Alenquer, que, em conjunto, empregavam 2529 operários.
Neste setor, o declínio salarial foi maior do que no setor algodoeiro;
de 1881 a 1901, o salário médio dos tecelões baixou para cerca de 70 % - de
3600 a 6000 reis, para 2500 a 4000 reis (fábrica Daupias). No final da década de 1860, os tecelões queimaram os
teares mecânicos acabados de importar, ato designado por ludismo - termo
importado da Inglaterra. No verão, as operárias camponesas abandonavam as
fábricas, para venderem melancias na terra, e os operários pediam dispensa para
fazerem a vindima ou a apanha da batata.
No Norte do país os trabalhadores sobreviviam a pão, sopa e batatas, por
vezes bacalhau ou carne de porco e em dias de festa, uma galinha. Em lisboa, de
1887 a 1911, o consumo de carne baixou de 49 Kg para 25 Kg por pessoa enquanto
o de batata - a comida dos pobres - aumentou de 33 Kg para 57 Kg por pessoa.
No capítulo da habitação o panorama era ainda pior; no Porto, o surto de
Peste bubónica de 1899 desencadeou uma onda de solidariedade a qual, apesar de
frágil, deu visibilidade às condições miseráveis em que viviam os
trabalhadores. Alojavam-se em casebres imundos, nos interstícios urbanos
designados por “ilhas”. Muitos viviam em casas alugadas, geralmente de rendas
elevadas; 3500 reis em Lisboa, 1600 reis no Porto e 1000 reis em Guimarães, por
1909. (facto que contraria a ideia de salários de pobreza entre o operariado
têxtil)
Em consequência, a taxa de mortalidade aumentou na década de 1880, com
especial incidência entre os pobres e na cidade do Porto, onde chegou a superar
a de Lisboa, entre 1887 e 1896. A falta de condições de ventilação nas fábricas
de têxteis provocava doenças pulmonares nos operários - exemplo dos bairros do
Bonfim e da Sé - devido ao pó que se libertava durante o fabrico. Em termos
infantis, morria, por ano, uma em cada quatro crianças até um ano de idade. Um
cenário agravado por frequentes acidentes fabris, com mutilações de dedos, mãos
e braços.
A legislação laboral promulgada em 1890, não produziu efeitos práticos
por falta de meios de fiscalização do Governo. Os horários de trabalho
continuaram a ser prolongados, as máquinas sem resguardos e as crianças a fazer
trabalhos pesados. Um cenário que ocorrera em todos os países, no início da
industrialização. Apesar disso, em Portugal, muita gente preferia a pobreza do
salário fabril à miséria ainda maior da vida agrícola.
As lutas dos trabalhadores sucediam-se. Nas fábricas instaladas no campo
as condições eram ainda mais severas; os horários de trabalho eram
arbitrariamente prolongados, havendo casos em que os operários eram obrigados a
trabalhar aos domingos nas quintas dos patrões. Na Beira, em 1896 cerca de 200
tecelões recusaram-se a fazê-lo, amotinando-se. Acabaram por ceder pela fome e
pela repressão do exército. Em 1900, 600 fiandeiras, da Fiação Portuense,
fizeram greve contra o prolongamento do horário de trabalho das 0600h às 1900h
para das 0600h às 2100h. Além da fadiga extrema, as operárias, devido ao
horário tardio, ficavam muitas vezes sem jantar. Tal desumanidade era aplicada
com igual rigor às crianças operárias. Uma carta que endereçaram ao Governador
civil, sem qualquer efeito prático, terminava: “Com o maior respeito e empenho,
intercedem os operários e imploram de Vossa Excelência o seu valioso e poderoso
auxílio, pois seria uma crueldade sem nome condenar à fome, 600 operários dos
mais infelizes”. Apesar do fracasso em termos de resultados, estas lutas
chegaram, pela primeira vez, às páginas dos jornais nacionais.
Consequência da irredutibilidade dos patrões e da incapacidade do
Governo fazer cumprir as leis laborais, os operários retribuíam com resistência
passiva, a famigerada “ronha”. De tal modo que as diferenças de produtividade
das fábricas portuguesas face às congéneres europeias eram enormes; em 1896,
enquanto em Inglaterra um tecelão trabalhava com seis teares, em Portugal, na
fábrica Daupias, os operários
recusavam-se a trabalhar com dois.
Fonte: "Os Pobres" de Maria Filomena Mónica
Peniche 28 de Março de 2021
António Barreto
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