Da saudade:
O fado destila a essência dos portugueses. E a saudade é a essência do
fado.
Correa Calderon - escritor espanhol
do século XX - considerava que a saudade definia um povo inteiro.
Teixeira de Pascoaes escreveu, em 1920, que a saudade era o sentimento
que resumia os portugueses.
O conteúdo da palavra vem de tempos imemoriais, das antigas linhagens de
sangue e da experiência histórica dos portugueses. Tem uma tal profundidade e
textura que nenhuma outra língua consegue produzir um termo equivalente. Encontram-se-lhe
referências em canções do século XIII. No século XV a palavra “soidade” aparece
num relato da tomada de Ceuta e o rei D. Duarte reconheceu que “saudade” era
uma palavra intraduzível.
O
conceito de saudade é tão multifacetado que escritores e pensadores,
portugueses e estrangeiros, lhe têm dedicado ensaios, trabalhos académicos e
conferências, na busca da sua essência.
Jorge Dias considerou que a saudade faz parte do caráter nacional e
brota de uma “complexa mentalidade que resulta de uma combinação de fatores,
alguns deles opostos”. Tais contradições estão sintetizadas na figura do “Zé
Povinho”. Na genealogia portuguesa, Dias identificou três contributos para a o conteúdo
da palavra saudade: a herança sonhadora, poética e religiosa celta, a “ansiedade
faustiana germânica e o fatalismo árabe. Porém, as influências atlânticas,
mediterrânicas e intercontinentais também estão presentes.
A saudade é perda, dor e tristeza, mas também esperança, desejo e memória.
Remete para a era dos descobrimentos, para a inquieta tensão entre os que
partiam e os que ficavam, para a teia de relações de parentesco e amizade, para
o bairrismo. O regresso em massa dos emigrantes à terra natal, nas férias é uma
expressão coletiva da saudade.
A tragédia de D Sebastião e a esperança frustrada no seu regresso deixou
um povo impregnado duma espécie de tristeza perpétua cristalizada na saudade.
Saudade, um sentimento estático, um “estado de insatisfação” - segundo António
José Saraiva - que não incentiva a ação.
Para Almeida Garrett, a saudade, é a palavra mais doce, mais expressiva
e delicada da língua.
Acerca da saudade, escreveu António Nobre: “Uma palavra tão triste/e
sabe tão bem ouvi-la”.
E uma velha canção popular:
“Esta palavra saudade,
Aquele que a inventou,
A primeira vez que a disse
Com certeza que chorou.”
Um povo que chora quando canta o seu hino nacional, que se encanta com o
sentimentalismo do fado, que tem no coração a medida de todas as coisas, fascinou
o poeta espanhol Lope de Vega, que
dele disse, em tom satírico:
“Um português estava a chorar
E perguntaram-lhe a razão.
Ele disse que era por causa do coração
E que estava apaixonado.
Para aliviar a sua dor,
Perguntaram-lhe por quem.
Ele respondeu: Bem, por ninguém,
Estou a chorar de puro amor”
Peniche, 4 de Março de 2021
António Barreto
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