Eleições 2022; a maldição da demagogia
Ponderando os recentes
resultados eleitorais, a dinâmica política precedente e as análises de comentadores
que considero, cheguei à conclusão de que estas eleições, legislativas de 2022,
foram marcadas pelo programa de assistência financeira apresentado pela troica -
comissão tripartida constituída por técnicos da UE/BCE/FMI - em 5 de Maio de
2011, na sequência do pedido de ajuda do Governo português em 5 de Abril do
mesmo ano após constatar a inviabilidade de financiamento nos mercados
financeiros internacionais.
Paradoxalmente, o partido que mais beneficiou, nestas eleições, do
tenebroso programa de ajustamento, foi o que o causou, graças a um bem
elaborado plano de propaganda política de “passa-culpas”, de que a generalidade
da comunicação social foi cúmplice, da sedução do seu eleitorado de base, constituído
essencialmente por funcionários públicos, reformados e beneficiários do
assistencialismo, de uma demagogia descarada que culminou na promessa tresloucada
da semana de quatro dias de trabalho e aumento de salários e pensões e da quase
total ausência de oposição política.
Com efeito: Perdidas as eleições de 2015 para o PSD/CDS, o PS, que com o
afastamento do António José Seguro e a ascensão de António Costa sinalizara o
seu deslizamento político à esquerda, liberto de Mário Soares, não hesitou em aceder
ao convite dos partidos radicais de esquerda para formar governo, impedindo, num
gesto inédito na democracia portuguesa, o partido vencedor de formar governo. Instalado
o Governo, o agora Primeiro-Ministro e seus aliados trataram de imediato de declarar
o fim da austeridade, deixando subentendido que tal tinha sido opção do governo
precedente e não uma inevitabilidade criada pelo governo anterior. Na verdade,
quando António Costa formou Governo, Portugal tinha concluído com sucesso o
programa de assistência financeira, recuperara o acesso aos mercados
financeiros internacionais, a economia estava numa trajetória de crescimento, a
balança comercial apresentava excedente desde 2013, o rácio das exportações
quase duplicara - de cerca de 20% para cerca 40% do PIB - o défice orçamental
tinha sido reduzido em cerca de 15 mil milhões de euros - em três anos - havia
nos cofres cerca de 16,5 mil milhões de euros e tínhamos a garantia do BCE de
comprar toda a dívida soberana necessária - razão das baixas taxas de juro
verificadas a partir daí. Confiante no longo ciclo de crescimento económico que
se iniciara, o Primeiro-Ministro decretou o fim dos “sacrifícios”, revertendo,
uma a uma, todas as parcas reformas consentidas pelo Tribunal Constitucional ao
governo anterior. De facto, António Costa e seus aliados prosseguiu a política
que conduzira o país ao pedido de assistência financeira; aumento da despesa
pública, do endividamento e da carga fiscal. Mas também ausência de
investimento público, desinvestimento nos serviços públicos, na educação, na saúde
e nos transportes, num contexto de concentracionismo estatal crescente, típico
dos regimes socialistas. Ironicamente, a crise sanitária acabaria por
beneficiar a governação fornecendo-lhe um alibi para os erros cometidos e
justificando uma ajuda financeira extraordinária a fundo perdido de 16,5 mil
milhões de euros.
O “génio” de António Costa consistiu em negar a tradição democrática de
garantir a governação do partido vencedor, como fizera o PSD/CDS em 2008, e em
unir toda a esquerda - quebrando a tradição do seu próprio partido - sob a
bandeira do “fim da austeridade” passando, erradamente como se viu, para a
opinião pública, a ideia de que tal jamais ocorreria sob o seu governo. Na hora
da dúvida, quando as sondagens, surpreendentemente, anunciaram um empate
técnico entre os dois maiores partidos, fizeram soar o alarme nas hostes
esquerdistas, que não hesitaram em aderir ao voto útil, proporcionando a
maioria absoluta do Partido Socialista.
No PSD verificou-se também uma
clara intenção de desvinculação da governação de Passos Coelho, patente no
afastamento de todos os “passistas” dos órgãos do partido e do grupo parlamentar,
na declaração pública de Ferreira Leite de que preferia um partido mais pequeno
sem o rótulo de direita, na afirmação, também pública, de Rui Rio da sua
vinculação ideológica à social-democracia e desafiando todos os dissidentes a
abandonar o partido.
Esta atitude teve como consequência a fragmentação do PSD, saída de
Santana Lopes e de André Ventura, que formaram novos partidos e a definição de
um amplo espaço à sua direita onde se “encaixou” o partido de João Cotrim, há
muito na forja. Para culminar esta desastrosa estratégia, Rui Rio recusou a
reativação da coligação tradicional com o CDS, contribuindo para o afastamento
deste partido do Parlamento e para a maioria absoluta do Partido Socialista. Juntando
a isto uma oposição incipiente em todo o período, pergunto-me se Rui Rio queria
mesmo ganhar as eleições, ou somente ser um apêndice de António Costa em nome
de cumplicidades passadas e da Regionalização.
Em conclusão, ambos os partidos agiram com a intenção de se demarcarem
da austeridade imposta ao país no período de 2011 a 2014, mas enquanto o PSD o
fez fragmentando-se e dispersando toda a direita, o PS fez o contrário; uniu
toda a esquerda e prometeu menos trabalho e melhores salários.
Para o futuro, não antevejo melhorias, pelo contrário; com a subida da
inflação - média na UE em cerca de 4,6 %, EUA a 7,5 % -, e consequentemente das
taxas de juro, os custos de financiamento aumentarão pressionando a carga
fiscal. Juntando a este cenário o aumento do preço do petróleo - atualmente
acima dos USD90,00/barril, no pico sanitário atingiu os USD20,00/barril -, o
aumento do preço da energia elétrica no mercado internacional - de cerca de €40,00/MWh
para cerca de €400,00/MW/h - o baixo nível de água das barragens e o aumento da
contestação social e laboral - O “avô” Jerónimo já o prometeu - e teremos
razões de sobra para estarmos céticos. Nestes seis anos perdemos uma oportunidade
histórica de efetuar as reformas que nos permitiriam encarar o futuro com
alguma esperança. Apesar de impopular, as reformas são necessárias. Sem elas
não haverá progresso económico.
Quanto ao PSD, dizem os seus notáveis que vão refletir, consertar
estratégias para o futuro. Quanto a mim perdeu o “comboio”; por ter alienado o
seu eleitorado de base popular, por se revelar incapaz de eleger um líder
mobilizador e porque a liderança da direita parece vir doutras paragens, onde
não há medo de ser de direita. A História não espera pelo PSD, que já não é
PPD. Talvez o declínio seja irreversível.
Stairs - Michael Caven
Peniche, 05 de
Fevereiro de 2022
António Barreto
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