Desporto

domingo, 17 de julho de 2022

Uma Viagem Atribulada

 

Uma viagem atribulada

 

  Enchi-me de coragem e exclamei - Vou a Vigo! Preparei o calhambeque, vi o mapa do percurso, defini a hora de saída e “arranquei” no dia seguinte. A extensão da viagem preocupava-me mas os assuntos que lá tinha justificavam o desconforto.

   Seis horas, radio a tocar, arzinho fresco nas ventas para desencorajar o sono, pé na tábua afinado para os 120 a 140 km/h, ele aí vai em expedição rumo a “terras de Espanha”.

   - Trá, lará, rebéu, béu, béu - ia trauteando o que o rádio debitava. - Quatro horas! Com esta zoada…ainda me dá o sono!...Bela autoestrada!... Afinal nem todo o dinheiro foi mal gasto!…Ainda dizem mal do homem!...Ui! O Dragão ali mesmo por bombordo! Deixa-me cá olhar para o outro lado antes que me dê um treco! Hum…, tá jeitoso o Estádio!... Ah, já passou; agora Braga.

   À entrada de Braga, subitamente descobri que estava numa estrada nacional! Eh, pá; que foi isto? Agora vai ser assim? Vinha tão bem! Vai ser bonito! - Volta p´ráqui, volta p’ráli, milagre! Subitamente encontrei-me de novo na autoestrada em direção de Vigo! - Como é que fiz isto? Não interessa, siga! Está quase!

   Chagado a Vigo - por volta das dez, o drama de chegar ao destino - não tinha GPS; pergunta a este, pergunta aquele, ao fim de muitas voltas e reviravoltas lá cheguei onde queria.

   - Bom dia, Pepe. - Olha o António! fixeste boa biaxe? Miguel, aqui o António! - O Miguel é o filho do Pepe; na Galiza acho que são todos Pepe - cumprimentámo-nos e fomos tratar dos assuntos pendentes. Almoço bem caprichado num pequeno restaurante ali perto.

     Enquanto dava ao dente e conversávamos sobre banalidade, ia pensando: - Eles são como nós! Galegos e portugueses são o mesmo povo! O mesmo tipo físico, idiomas muito idênticos - percebe-se tudo, um ou outro termo diferente -, gente simples, despretensiosa e trabalhadora…até tocam gaita-de-foles, como os minhotos - o famoso ninário, como lhe chamávamos na minha rua: - “É malta, vem aí o “ninário”; clamava o Zé Pratas, correndo esbaforido a dar a novidade!

 - Não admira, os entrelaçamentos das populações, na época, eram correntes, sobretudo entre a nobreza de corte e de província. O Condado Portucalense, em plena Reconquista, esteve subordinado ao Reino da Galiza - de 1095 a 1139, salvo o erro, sob o reinado de Raimundo, primo do nosso D. Afonso. O acordo estabelecido entre eles, fundamentando a recusa de D. Afonso ao convite de alguns nobres galegos para reclamar o respetivo reino, veio a culminar no Tratado de Zamora, início do processo de independência de Portugal.

   - E se Portugal e a Galiza fossem o mesmo país? Se o povo é o mesmo! - Ia pensando, recordando-me da “minha” velha teoria segundo a qual o plano da D. Tereza consistiria na constituição dum reino único independente de Castela. Um reino em cuja cortena nobreza portuguesa não teria lugar e por isso se opôs através de D. Afonso. - Ganharíamos massa crítica, seríamos mais fortes, economicamente e socialmente! Que pena! - Pensei.

   - Quantos estaleiros há em Vigo, Pepe? - Seis. - Seis? Só em Vigo? Em Portugal, os poucos que resistiram estavam em agonia. - Bamos ver a Feira, António? Vamos! - Uma feira alimentar anual que há na cidade, com razoável dimensão. E fomos.

   Terminada a visita entrámos num cafezito para a despedida. Logo que entrámos, deparei-me com um par de “meloazinhas” insinuantes cirandando por detrás do balcão. Pensei logo ficar para o dia seguinte. - ; não dá! Ala para Peniche e deixa-te de m----s! Pepe, como faço para apanhar a autoestrada para Portugal? - Xá Bais? Chega aqui! - Disse o Pepe junto à porta. - Táx a ber aquela abenida? É a abenida Ricardo Mellia - Um herói local como vi mais tarde.

- Bás por aqui, biras ali, xegues in frente até lá ó fundo, táx a perxeber? - Estou, disse, pouco convicto, reparando nos bês. – Depoix biras á esquerda e num tem nada que xaber; é xempre in frente até Portugal! - OK. - Respondi, meio confuso. - Adeus Pepe, obrigado, Lá te espero em Peniche! – Quando quixeres vem cá paxar uns dias, boa biaxe. – Despediu-se o Pepe.

   E lá fui, ainda a pensar nas “meloas”. - Ora…Ricardo Mellia…é aqui….Sempre em frente, ok - e as meloas sempre na cabeça -, agora à esquerda…já está…e sempre em frente outra vês!... Portugal, aí vou eu - as “meloas” é que era! - Rádio a tocar, fresquinho nas ventas, pé na tábua, ele aí vai rumo ao paraíso lusitano.

   - “Ai que lindeza tamanha, meu chão, meu monte meu vale, de folhas flores frutas de oiro….”, ia trauteando o poema de José Régio, imortalizado pela Amália. Passado cerca de meia hora, comecei a estranhar: - Não me lembro de ter visto isto!...é a primeira vez que aqui venho…tudo isto é estranho. Siga. - Portagem espanhola. - Siga! - Outra portagem espanhola; - eh lá! Outra? Os espanholitos não brincam! É sempre a abrir! Afinal é como lá, ou pior. - Já noite, cada vez mais desconfiado, resolvi sair na primeira oportunidade, para conferir o rumo.

   Assim fiz; casario por estibordo quatro ou cinco metros abaixo; apanhei a saída e aproximei-me da única luz visível, um café. - Tou safo, pensei, não avistando vivalma nas proximidades. - Franqueada a porta, lá ao fundo uma grande bandeira de Portugal fixada na parede! - Eh, pá, tou em casa! - Dirigi-me à primeira pessoas que avistei; - Viva! Pode indicar-me o caminho para Portugal? - Venha aqui; - respondeu, solícito, um sujeito, ainda novo, em bom português. - Está a ver ali ao fundo? Vai por aqui, sempre em frente, lá ao fundo vira à esquerda, entra na autoestrada e depois é sempre em frente! - Disse, apontando com o braço. - Ah, pensei aliviado, afinal vou bem. Obrigado.

   E lá fui mais descansado. Rádio a tocar - o melhor amigo do itinerante - e lá vai o Tóno Barreto rumo a Portugal. - Eh, pá, que bela música! Trá, lará, larilolé…uma placa!...ora…Santiago! Santiago? Santiago de Compostela! Ai aqueles f….da p…a que me enganaram! E agora? Agora? Agora estou f….o! É sempre em frente até Santiago e dar a volta na primeira possibilidade. Assim fiz, vociferando impropérios enquanto contornava a primeira rotunda logo à entrada da cidade.

   Valeu-me que tinha atestado o depósito em Vigo e ia bem abastecido de l’argent, senão ficava na estrada que nem um cão! Finalmente na autoestrada, agora sim, tinha a certeza que ia para Portugal. - Mais duas horas de viagem! - Exclamei furioso! - Vou chegar tardíssimo! Cheguei a Peniche sem incidentes, aí pela meia-noite.

Posto isto, o conselho que dou aos meus amigos quando viajarem sozinhos longos percursos é para terem cuidado com as “meloas” que possam encontrar pelo caminho, sobretudo se forem fresquinhas.


Nathalie Wood

Peniche, 17 de Julho de 2022

António Barreto

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