Uma viagem atribulada
Enchi-me de coragem e exclamei - Vou a Vigo! Preparei o calhambeque, vi o
mapa do percurso, defini a hora de saída e “arranquei” no dia seguinte. A extensão
da viagem preocupava-me mas os assuntos que lá tinha justificavam o desconforto.
Seis horas, radio a tocar, arzinho fresco nas ventas para desencorajar o
sono, pé na tábua afinado para os 120 a 140 km/h, ele aí vai em expedição rumo
a “terras de Espanha”.
- Trá, lará, rebéu, béu, béu -
ia trauteando o que o rádio debitava. - Quatro horas! Com esta zoada…ainda me
dá o sono!...Bela autoestrada!... Afinal nem todo o dinheiro foi mal gasto!…Ainda
dizem mal do homem!...Ui! O Dragão ali mesmo por bombordo! Deixa-me cá olhar
para o outro lado antes que me dê um treco! Hum…, tá jeitoso o Estádio!... Ah,
já passou; agora Braga.
À entrada de Braga, subitamente descobri que estava numa estrada
nacional! Eh, pá; que foi isto? Agora vai ser assim? Vinha tão bem! Vai ser
bonito! - Volta p´ráqui, volta p’ráli, milagre! Subitamente
encontrei-me de novo na autoestrada em direção de Vigo! - Como é que fiz isto? Não
interessa, siga! Está quase!
Chagado a Vigo - por volta das dez, o drama de chegar ao destino - não tinha
GPS; pergunta a este, pergunta aquele, ao fim de muitas voltas e reviravoltas
lá cheguei onde queria.
- Bom dia, Pepe. - Olha o António! fixeste
boa biaxe? Miguel, tá aqui o António!
- O Miguel é o filho do Pepe; na Galiza acho que são todos Pepe - cumprimentámo-nos
e fomos tratar dos assuntos pendentes. Almoço bem caprichado num pequeno
restaurante ali perto.
Enquanto dava ao dente e conversávamos sobre
banalidade, ia pensando: - Eles são como nós! Galegos e portugueses são o mesmo
povo! O mesmo tipo físico, idiomas muito idênticos - percebe-se tudo, um ou
outro termo diferente -, gente simples, despretensiosa e trabalhadora…até tocam
gaita-de-foles, como os minhotos - o famoso ninário, como lhe chamávamos na
minha rua: - “É malta, vem aí o “ninário”; clamava o Zé Pratas, correndo
esbaforido a dar a novidade!
- Não admira, os entrelaçamentos das
populações, na época, eram correntes, sobretudo entre a nobreza de corte e de
província. O Condado Portucalense, em plena Reconquista, esteve subordinado ao
Reino da Galiza - de 1095 a 1139, salvo o erro, sob o reinado de Raimundo,
primo do nosso D. Afonso. O acordo estabelecido entre eles, fundamentando a
recusa de D. Afonso ao convite de alguns nobres galegos para reclamar o respetivo
reino, veio a culminar no Tratado de Zamora, início do processo de
independência de Portugal.
- E se
Portugal e a Galiza fossem o mesmo país? Se o povo é o mesmo! - Ia pensando, recordando-me
da “minha” velha teoria segundo a qual o plano da D. Tereza consistiria na
constituição dum reino único independente de Castela. Um reino em cuja cortena
nobreza portuguesa não teria lugar e por isso se opôs através de D. Afonso. -
Ganharíamos massa crítica, seríamos mais fortes, economicamente e socialmente!
Que pena! - Pensei.
- Quantos estaleiros há em Vigo, Pepe? - Seis. - Seis? Só em Vigo? Em
Portugal, os poucos que resistiram estavam em agonia. - Bamos ver a Feira, António? Vamos! - Uma feira alimentar anual que
há na cidade, com razoável dimensão. E fomos.
Terminada a visita entrámos num cafezito para a despedida. Logo que
entrámos, deparei-me com um par de “meloazinhas” insinuantes cirandando por
detrás do balcão. Pensei logo ficar para o dia seguinte. - Nã; não dá! Ala para Peniche e deixa-te de m----s! Pepe, como faço
para apanhar a autoestrada para Portugal? - Xá
Bais? Chega aqui! - Disse o Pepe junto à porta. - Táx a ber aquela abenida? É a
abenida Ricardo Mellia - Um herói local como vi mais tarde.
- Bás por aqui, biras ali, xegues in frente até lá ó fundo, táx a perxeber?
- Estou, disse, pouco convicto, reparando nos bês. – Depoix biras á esquerda
e num tem nada que xaber; é xempre in frente até Portugal! - OK. - Respondi,
meio confuso. - Adeus Pepe, obrigado, Lá te espero em Peniche! – Quando quixeres vem cá paxar uns dias, boa
biaxe. – Despediu-se o Pepe.
E lá fui, ainda a pensar nas “meloas”. - Ora…Ricardo Mellia…é aqui….Sempre em frente, ok - e as meloas sempre na
cabeça -, agora à esquerda…já está…e sempre em frente outra vês!... Portugal,
aí vou eu - as “meloas” é que era! - Rádio a tocar, fresquinho nas ventas, pé
na tábua, ele aí vai rumo ao paraíso lusitano.
- “Ai que lindeza tamanha, meu chão, meu monte meu vale, de folhas
flores frutas de oiro….”, ia trauteando o poema de José Régio, imortalizado
pela Amália. Passado cerca de meia hora, comecei a estranhar: - Não me lembro
de ter visto isto!...é a primeira vez que aqui venho…tudo isto é estranho.
Siga. - Portagem espanhola. - Siga! - Outra portagem espanhola; - eh lá! Outra?
Os espanholitos não brincam! É sempre a abrir! Afinal é como lá, ou pior. - Já
noite, cada vez mais desconfiado, resolvi sair na primeira oportunidade, para
conferir o rumo.
Assim
fiz; casario por estibordo quatro ou cinco metros abaixo; apanhei a saída e aproximei-me
da única luz visível, um café. - Tou safo,
pensei, não avistando vivalma nas proximidades. - Franqueada a porta, lá ao
fundo uma grande bandeira de Portugal fixada na parede! - Eh, pá, tou em casa! - Dirigi-me à primeira
pessoas que avistei; - Viva! Pode indicar-me o caminho para Portugal? - Venha aqui;
- respondeu, solícito, um sujeito, ainda novo, em bom português. - Está a ver
ali ao fundo? Vai por aqui, sempre em frente, lá ao fundo vira à esquerda,
entra na autoestrada e depois é sempre em frente! - Disse, apontando com o
braço. - Ah, pensei aliviado, afinal vou bem. Obrigado.
E lá fui mais descansado. Rádio a tocar - o melhor
amigo do itinerante - e lá vai o Tóno
Barreto rumo a Portugal. - Eh, pá, que bela música! Trá, lará, larilolé…uma placa!...ora…Santiago! Santiago? Santiago
de Compostela! Ai aqueles f….da p…a que me enganaram! E agora? Agora? Agora
estou f….o! É sempre em frente até Santiago e dar a volta na primeira
possibilidade. Assim fiz, vociferando impropérios enquanto contornava a
primeira rotunda logo à entrada da cidade.
Valeu-me que tinha atestado o depósito em
Vigo e ia bem abastecido de l’argent,
senão ficava na estrada que nem um cão! Finalmente na autoestrada, agora sim,
tinha a certeza que ia para Portugal. - Mais duas horas de viagem! - Exclamei furioso!
- Vou chegar tardíssimo! Cheguei a Peniche sem incidentes, aí pela meia-noite.
Posto isto, o conselho que dou aos meus amigos quando viajarem sozinhos longos percursos é para terem cuidado com as “meloas” que possam encontrar pelo caminho, sobretudo se forem fresquinhas.
Nathalie Wood
Peniche, 17 de
Julho de 2022
António Barreto
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