A República Romana
O 6º período, conhecido como dos “Tiranos”, inicia-se em 671 (82 a. C) com
a ditadura militar de Sila e durou quase um quarto de século. Até 683 com a
fase da reação à ordem precedente instaurada por Cina e Mário, e daí até 694 na
fase do ecletismo até ao primeiro triunvirato, donde emergiria César, o unificador
do Império e precursor do fim da República, causa da sua morte.
Sila era um jovem aristocrata decadente, um janota amaneirado, com um não-sei-quê
repulsivo, empobrecido e sem ambições, que frequentava os salões, as tabernas e
os prostíbulos de Roma. A sua fama de devasso tornava-o popular entre as
mulheres e todos os jovens da moda o tinham por amigo. Vestia-se com elegância
e requinte, culto, falava bem, incluindo o grego, alegrava o ambiente com
pilhérias e anedotas, escrevia farsas e comédias para os teatrinhos dos salões
elegantes, constando até que não cantava mal. Ria de tudo e todos, incluindo de
si próprio. Não era um bravo, não tinha o ar sério e grave dos romanos, mas não
era cobarde. Indolente, sem ambições nem ilusões, era um epicurista; deixava o
tempo correr, divertindo-se. Sem religião, respeitava e seguia os cultos por
costume aristocrático.
Sila era neto de Públio Cornélio Rufino, cônsul em 464 (287 a. C) e 477
(276 a. C) na guerra de Pirro. Sem outros ascendentes nobres, vivia na pobreza
até a fortuna lhe bater à porta quando a cortesã Nicópolis o nomeou herdeiro cujos bens, com a fortuna da sogra, o
enriqueceram.
Aos 31 anos Sila foi, por rotina, nomeado, questor do exército que Mário
comandava em África contra Jogurta, o
Rei da Numídia que desafiava o domínio de Roma. Mário, plebeu romano sério e
grave, tratava Sila com desdém, considerando-o um gréculo sem atributos militares.
Enganou-se. Tomado de brios, Sila aprimorou-se na destreza das armas e
na astúcia tática, tendo-se destacado na captura do rei africano. Contrariado por
ter de partilhar o mérito com o janota helenizado, Mário passou a odiá-lo.
Contudo, a guerra dos Cimbros - povos germânicos que deixaram as margens do
Báltico em busca de paragens mais prósperas a sul e ocidente - aumentaram a
reputação militar de Sila.
Em 661 (92 a. C), Sila foi eleito pretor espantando os romanos com a exuberância
das festas que deu, abrilhantada pelos cem leões oferecidos pelo Rei da Mauritânia,
seu aliado contra Jucurta. Por acaso
e fortuna, foi enviado para a Ásia combater o “hércules” Mitridates, o inconformado, astuto e implacável Rei do Ponto,
apostado em banir o domínio romano na região e expandir o seu reino.
Durante a campanha ocorreu em Roma a revolta popular liderada por Mário
e Cina, que derrubou o regime dos optimates
- aristocratas membros do senado, fonte de todo o poder – tendo sido instituída
a democracia popular. Na implacável chacina que se seguiu foram mortos selvaticamente
todos os nobres que não conseguiram fugir, banidos da cidadania romana todos os
que fugiram e confiscadas as propriedades de uns e outros.
Sila foi banido, teve, os seus bens arrasados ou confiscados e a sua
mulher e filhos foram obrigados a fugir de Roma para junto de si na Grécia. Todos
os nobres que escaparam à matança se acolheram à sua proteção, instigando-o à
vingança. Um novo exército, comandado por Mário Valério Flaco foi enviado pelos
populares para derrotar Sila, que temiam, e Mitridates. Isto contribuiu para enfurecer
e exacerbar a crueldade General, cuja natureza era destituída de transcendência
e humanidade.
Dissimulando a sua fúria com astúcia, sedução,
força e sorte, Sila venceu todos os opositores na Ásia regressando a Roma como
vencedor, determinado a derrubar do regime. Às portas da cidade eterna, negociou
apoios, arregimentou militares inimigos, venceu os restantes e fez-se nomear
pelo Senado, Governador com poderes absolutos, um Monarca, obtendo a
legitimação espúria da Tirania. Por ironia a oligarquia ajudara a ascender ao
poder o homem que a trairia.
Enquanto formava o seu projeto de governo Sila deu largas à sua vingança
decidido a extirpar as raízes democráticas do regime deposto. Baniu como
inimigos da República todos os democratas. Instituiu o prémio de doze mil
dinheiros pelo assassínio de cada banido e a pena de morte a quem o socorresse,
confiscando as respetivas propriedades em benefício do erário público.
Os bens dos mortos na guerra foram atribuídos à República. A matança era
indiscriminada e indeterminada, metade dos cidadãos estava autorizada a
eliminar a outra metade. Choviam as denúncias, saldavam-se as dívidas matando
os credores, ocupava-se uma propriedade matando o respetivo proprietário,
enriquecia-se com o ofício de matar.
O terror era de al ordem que o próprio Sila viu-se forçado a elaborar
diariamente listas das vítimas. Perante os apavorados senadores o cinismo de
Sila não tinha limites, afirmando que ia matando à medida que se ia lembrando.
Na antiguidade não havia lugar aos sentimentos caridosos, humanitários, e muito
menos à piedade. O morticínio durou seis meses, de Dezembro de 672 (81 a. C) a
Junho de 673 (80 a. C).
Em matéria de reformas Sila manteve o foro romano a todos os aliados
italianos, retirou o direito de sufrágio aos Libertos reduzindo a importância
dos comícios do proletariado romano. Puniu as cidades, que tinham tomado o
partido do inimigo, com multas e confisco de terras, distribuindo umas pelos
soldados - fundando novas cidades -, outras ao culto, e outras ainda a quem
entendeu, apanágio dos “bons príncipes”.
Criou as fundações de um exército
permanente ao militarizar as colónias com o propósito de apoiarem o governo da
República. Fundou a guarda do Senado constituída por dez mil Libertos cornélios a que dera alforria.
Aboliu as distribuições de trigo e as arrematações dos dízimos da Ásia,
mina dos cavaleiros, reduzindo aqueles a prestações fixas. Acabou com a Ordem
Equestre retirando-lhe o privilégio de Júri, que voltou ao Senado, e o lugar no
protocolo das festas públicas.
Concentrou no Senado todos os poderes, Legislativo, executivo e
Judicial, completou o seu quadro recorrendo a eleições extraordinárias, e
definiu o ingresso nele de todos os pretores e cônsules após dois anos do
exercício dos respetivos cargos, acabando com as nomeações.
Os Comícios, nominalmente soberanos, viram a sua autoridade prática
anulada. O direito de veto dos Tribunos foi condicionado a sanção prévia do
senado, ficando ainda aqueles, impedidos de exercer qualquer outro cargo.
Separou os poderes políticos dos militares e criou os princípios do
municipalismo ao limitar a área metropolitana da Itália.
O ambiente de terror impedira qualquer oposição. O regime
antidemocrático assim instituído sustentado no poder militar de Sila, ruiria
logo que este abandonasse o poder e a geração dos seus soldados deixasse o
ativo. O génio de Sila não chegava para criar a dinâmica de continuidade após o
seu abandono.
Retirou-se para Cuma em 675 (78 a. C.), enfastiado pelo poder, depois de
se ter feito eleger Cônsul e bajular o “criançola” Pompeu. Tinha 59 anos e
dedicava-se à pesca, à caça e à escrita das suas Memórias, entre uma corte de amantes, atores, bufões e dançarinas.
Morreu subitamente ao assistir ao estrangulamento dum magistrado que
condenara à morte, acusado de ladrão.
Em Roma, foram magníficas as exéquias concentrando todos os veteranos da
guerra da Ásia.
Jugurta
Peniche, 31 de Julho de 2022
António
Barreto
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