A Ética Republicana em Portugal
Pela noite dentro a camioneta pára junto à porta de Machado Santos, na rua José Estêvão. D. Beatriz, a mulher do almirante, foi intimada a abri-la. Rebentando com a fechadura a tiro, os intrusos perguntaram-lhe pelo marido. Queriam levá-lo à presença de Procópio de Freitas que lhe queria falar.
No interior, de pistola em punho, António, o filho do almirante estava pronto a resistir. Este, confiante na sua patente e no prestígio que granjeara, dissuadiu-o. Nada demoveu os intrusos. Abel Olímpio o tenebroso cabo que chefiava a brigada homicida, manteve-se inflexível, ignorando o pedido de garantia de regresso em segurança do detido.
Idealista, insatisfeito e intransigente, Machado Santos, a quem os republicanas deviam a vitória no 5 de Outubro, era um homem marcado. Os democráticos não lhe perdoaram as críticas ao governo, o apoio ao ditador Pimenta de Castro, o envolvimento no 13 de Dezembro de 1916 ( Revolta de Tomar, contra a entrada da IGM), e o 5 de Dezembro de 1917 em que alinhara ao lado de Sidónio contra o governo de Afonso Costa.
Traidor para os democráticos é odiado marinheiros, que não lhe perdoaram a humilhação da revista militar na rotunda ao lado de Sidónio. Incorruptível, patriota, Machado Santos, quando governante, fora implacável com especuladores e açambarcadores.
A pensão que lhe fora atribuída pelo congresso e a inveja que suscitava tornaram-no alvo de sucessivas acusações avulso com o propósito de destruição da sua imagem pública. Chegara a hora do desejado desfecho, do assassínio físico.
O relógio de parede batia a uma e meia. Perante o desespero de D. Beatriz, o cínico Olímpio assegurava o regresso do detido em segurança após rápida visita ao Arsenal. Porém, ignorou o pedido de palavra de honra.
Vestido à civil, o herói do 5 de Outubro seguiu na camioneta com os seus algozes. Num side-car, os redatores do “Imprensa da Manhã” acompanhavam-nos, e confraternizavam alegremente com os assassinos, eufóricos com a oportunidade jornalística.
Desceram pela Almirante Reis e pararam no Intendente, por avaria. Augusto Gomes, empresário teatral, foi mandado parar, tendo-lhe sido requisitada a viatura para “transportar um cadáver ao necrotério”.
Ao ver Machado Santos, o empresário percebeu o que se passava. Pediu para não matarem o almirante.
Dos doze marinheiros da comitiva, oito “valentes” dispararam sobre o herói do 5 de Outubro.
Porém, não seria a última vítima mortal da “ética republicana”, uma ficção criada por quem tem a consciência pesada.
Créditos a “Nobre Povo; os anos da República”, de Jaime Nogueira Pinto
Peniche, 12 de Novembro de 2023
António Barreto
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