(Extrato da entrevista de Duarte Branquinho em “O Diabo” de 16.10.2012)
Alberto Buela, filósofo Argentino e professor catedrático, em Lisboa no
dia 6 de Outubro a convite Conselheiro Científico da revista “Finis Mundi” ,
Flávio Gonçalves, deu uma interessante conferência sobre a Teoria da
Dissidência, da qual passo a transcrever as
as mais interessantes.
OD: O que o trouxe aqui?
“…vim pelo vinho verde, que é
melhor que champanhe!...Também já provei bacalhau, que é um peixe de ricos. Os portugueses
são ricos, agora se tornaram pobres, mas que não perderam o bom gosto, o que é fundamental.
…vim a Portugal…,porque sempre me interessou o mundo português, depois porque
queria conhecer um filósofo português, porque a seguir à guerra eram todos
marxistas….”
OD: O tema era a Teoria da Dissidência. De que se trata?
Trata-se de utilizar a
dissidência como um método para terminar com a Teoria do Consenso, com o
pensamento único, com o politicamente correto. A primeira exigência é a
preferência de si mesmo. Saber quem somos, dizer ao outro quem somos e esperar
que nos diga quem é. É um sistema de valores, que são polares em termos
filosóficos. Quer dizer, temos que preferir um ou outro, não podemos querer os
dois. A seguir temos que fazer uma recuperação das tradições nacionais,
reencontrar o nosso “genius loci”. A
dissidência, mata o simulacro em que hoje vivemos.
OD: Falou sobre a Universidade hoje e a ultraespecialização. É um
grande problema?
Sim. As Universidades perderam o sentido, produziram investigadores da “imortalidade
do caranguejo”, ou seja, grandes especialistas no mínimo.
OD: Acha que chegará de novo um tempo para os grandes pensadores, para
os verdadeiros filósofos?
Não sei o que se passará no
futuro porque o vou de Minerva, que é o simbolo da filosofia, parte quando a
realidade já se pôs, ao entardecer. Por isso,nós, os filósofos, cada vez que
falamos do futuro enganamo-nos. Já sobre o passado somos os melhores…Mas este
tema, o do filósofo como aquele que tem uma visão do todo, que tem um
pensamento especulativo, pertence agora aos jornalistas.
OD: Como assim?
Os jornalistas são os novos
filósofos. A Revolução Francesa matou os
filósofos e substituíu-os por ideólogos. A sociedade de consumo matou os
ideólogos e substituíu-os por jornalistas e artistas. É aquilo a que chamo a
pátria locutora. Os jornalistas têm que falar ou ficam sem trabalho. Um
jornalista é um mestre de generalidades. É como um antigo filósofo, sem sê-lo.
As circunstâncias obrigam-no a ser assim.
OD: Porquê?
Porque o que emana da
Universidade é um pensamento conformado, metodologicamente trabalhado. Esse
pensamento é estéril e às pessoas não interessa a esterilidade. O público, que
é quem manda no jornalismo, quer razões gerais. Por isso, um jornalista é um
grande ensaísta. As pessoas querem isso, querem soluções gerais, querem
coerência. Ora na Universidade, hoje em
dia, nada se produz.
OD: Qual é o pior aspeto da crise que atravessamos?
É a representatividade política.
Os partidos políticos de há 50 anos para cá, mais ou menos, tomaram o monopólio
da representatividade política. Claro que, como em qualquer monopólio, não
permitem a participação de outros. Com o passar dos anos, este monopólio acabou
por nos conduzir à crise terminal que estamos a viver.
OD: Era melhor no Estado Novo?
Ninguém pode contestar que
Salazar foi uma das principais referências do Estado do bem-estar. Antes de
Oliveira Salazar, nada! Como Franco ou
Peron, ele inventa o Estado de bem-estar, que consagra os direitos de
segunda geração: o direito ao trabalho, à reforma, às férias, à escolaridade
das crianças, à saúde.
OD: E a seguir?
Por exemplo, na época de Soares,
havia um compromisso. Não podemos comparar a representatividade dessa altura
com a de hoje. Então ainda havia algum compromisso com o socialismo ou outras
ideologias. Agora, os políticos estão apenas comprometidos com eles próprios e
com os seus interesses. Hoje vivemos uma oligarquia partidária.
OD: É essa a causa de tantos protestos?
Sim. Quando falha a
representatividade política, estalam os protestos. Quando a representatividade
é nula, acaba-se na rua. Mas chegamos a um protesto sem conteúdo.
OD: Que pensa dessa vontade do povo?
O povo transformou-se no “público
consumidor”. Chegámos ao máximo da sociedade de consumo. Os políticos de agora,
Hollande, Sarkozy, Zapatero,
Berlusconi, representam oligarquias fechadas. Um corpo endógeno que se alimenta
a si mesmo. Por um lado retiram ao povo a representação política, por outro
lado, recebe da sociedade de consumo um ataque às suas próprias convicções.
OD: O povo está viciado no consumo?
Hegel diz que o consumo é
infinito. Há sempre algo mais a consumir. Há sempre um modelo novo, um mais
recente. Se eu corro atrás do consumo, acabo por me tornar parte do público
consumidor. Heidegger afirma isto também. Mas nós não podemos, porque o consumo
está constantemente a tentar-nos. Estas sociedades opulentas, de massas,
retiraram o caráter político ao povo. É por isso que cada vez que há eleições,
se agitam os fantasmas do dinheiro, do trabalho, da recessão.
OD: É um jogo dos governantes?
O filósofo italiano Massimo Cacciari disse que os governos
vivem do conflito. Vivem da paz aparente. Os governos pós-modernos limitam-se a
administrar os conflitos, não os solucionam. O conflito é parte da sua própria
existência.
OD: A atual crise económica é boa para eles?
Exato. É como para nós nos países
sul-americanos, o tema da insegurança. Em Lisboa não se compara a taxa de
criminalidade com a das cidades
sul-americanas, onde se mata diariamente por nada. A insegurança é, lá,
uma política de Estado. Aqui é a crise económica. A política de Estado é
garantir que não desapareça a conflitualidade.
OD: A representação do peronismo
era uma solução?
Sim, falo da dupla representação,
ou do duplo voto. Era uma representação comunitária. A questão é que era
necessário retirar o monopólio aos partidos políticos e dar uma parte à
comunidade. Havia uma representação política e uma representação laboral. Mas
isto, hoje, nunca será concedido pelos que detêm o poder. O que não significa
que deixemos de propô-lo.
OD: Que acha das manifestações de rua?
A manifestação maciça nas ruas
não tem eco se não tiver uma instituição que a contenha. No peronismo, o povo
solto não existe. Apenas o povo organizado, em instituições sociais, em
sindicato.
OD: Hoje, na Argentina, os sindicatos mantêm essa representação
popular?
Na Argentina, os sindicatos são a
única força que se opõe ao Governo. Em termos de representação, digo que há 13
milhões de trabalhadores e oito milhões estão sindicalizados.
OD: Mas não são sindicatos marxistas, como tantos que há na europa…
Não. Há alguns socialistas e até
uns trotskistas, mas são pequenos. Os maiores são todos peronistas.
OD: Parece que Perón conseguiu que quase todos os argentinos se
considerassem peronistas até hoje…
Costumo dizer que a diferença
entre Salazar, Franco, Stroessner e
Perón, é que os três primeiros estiveram no poder cerca de 40 anos, enquanto
Perón esteve apenas de. No entanto, não há hoje um partido salazarista em
Portugal, um franquista em Espanha, ou um stroessnerista no Paraguai, enquanto
na Argentina quase todos são peronistas.
OD: Qual é esse mistério Argentino?
Perón criou instituições sociais.
Aliás, fê-las criar, não as criou ele; criou as condições para que estas
pudessem surgir. Foi um regime verdadeiramente popular.
OD: Como é que esse regime é visto pela esquerda?
Sempre como “fascista”, claro, com
o discurso do costume…Mas o que acontece é que a esquerda quando vai a votos
obtém um por cento, enquanto os peronistas têm 70 por cento. Nas últimas
eleições presidenciais, por exemplo, os três candidatos eram peronistas.
OD: Como vê o discurso político hoje?
É um discurso que se compromete
sem comprometer ninguém. Em campanha ouvimos dizer de vários políticos que vão
fazer isto e aquilo. Mas depois, quando não fazem, a culpa é dos outros, do
partido, etc. nunca é deles. É um compromisso que não compromete. É o cúmulo do
simulacro.
OD: Geopoliticamente, acha que a América Latina e os países ibéricos
deviam cultivar um entendimento?
Sim, houve pensadores
extraordinários nesse campo, como Oliveira Marques ou António Sardinha, com
todas as limitações do seu tempo. Portugal e Espanha, que é o que me interessa,
que me afeta existencialmente, equivocam-se no caminho. Ninguém pode negar que
um português ou um espanhol seja europeu. Mas não são europeus à maneira
centralizada francesa. São outro tipo de europeus. Pode-se ser um europeu
diferente sem ter que copiar o modelo francês. Nas últimas décadas, Portugal e
Espanha copiaram esse modelo; têm um banco na Alemanha e um parlamento em
Bruxelas. Já não são donos do seu destino. Imagine-se o poder de uma moeda
conjunta entre os países ibéricos, o Brasil e a Argentina, por exemplo. O
Brasil percebeu isto e assume agora um papel central no mundo
hispano-americano, porque vê que Espanha não faz nada e Portugal ainda menos.
OD: Voltando a Salazar, como o vê enquanto homem e estadista?
Salazar foi o último político
justo do Ocidente. Era um homem de uma integridade absoluta. Conheço até casos
em que foram feitos pedidos para a sua santificação. Era um homem honesto e
inteligente, que pensava pela sua própria cabeça. Salazar, como Perón,
distinguiu claramente entre o político e a política. O político é o poder, a
política é a organização do poder. Salazar era um mestre na organização do
poder e ao mesmo tempo tinha uma ideia do poder. Foi um justo porque fez na sua
altura tudo o que devia fazer, sabendo sempre que o que fazia era limitado ao
seu tempo. Procurou a justiça social. Foi um católico no poder e, por isso, um
pré-moderno. Um católico nunca endeusa o Estado, prefere a pessoa, o ser na
comunidade.
AB
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