Desporto

sexta-feira, 29 de março de 2013

Consciência, esse bem precioso!

A LATA
Por Manuel Maria Carrilho
In DN de 28 de Março de 2013
 
O contrato com Sócrates para ser comentador semanal no canal público de televisão teve de partir, ou de passar, por Relvas. Isso é óbvio. E só a imagem do que terá sido essa negociação a dois dá uma ideia arrepiante, mas bem clara, do estado de degradação extrema a que chegou o regime.

É uma contratação que infelizmente não surpreende porque, na verdade, José Sócrates e Miguel Relvas são políticos siameses. Se olharmos bem para o perfil e para o percurso de um e de outro, a conclusão impõe-se como evidente. E muitas coisas estranhas se tornam, de repente, claras e compreensíveis.

A história da licenciatura de Relvas foi o primeiro sinal de uma semelhança que se revela bem mais funda: o mesmo fascínio pelo mundo dos negócios, o mesmo desprezo pela cultura e pelo mérito, o mesmo tipo de relação com a comunicação social, o mesmo apego sem princípios ao poder e, acima de tudo, a mesma lata, uma gigantesca lata! Só falta mesmo ver também Sócrates a trautear a "Grândola, Vila Morena", mas por este andar lá chegaremos...

O contrato com a RTP vem, de resto, acentuar mais uma convergência entre Sócrates e Relvas, e num ponto político extremamente sensível, que é o da conceção de serviço público de televisão. Porque, com este contrato, Sócrates aparece a cobrir inteiramente a devastação feita por Relvas no sector, e a bloquear tudo o que o PS pretenda dizer ou propor sobre o assunto. E quem cauciona o que Relvas fez aqui, cauciona tudo.

O que Sócrates deve fazer é assumir as suas responsabilidades na crise, e pedir desculpa aos portugueses - e para isso basta uma entrevista pontual, sóbria, esclarecedora e responsável. É isso que os Portugueses merecem, é disso que a nossa democracia precisa, e é a isso que o Partido Socialista tem direito. Ficar a pastar nos comentários, pelo contrário, é puro circo político, e do pior: é usar o horário nobre do serviço público de televisão para jogadas de baixa política e de pura revanche política pessoal.

Como já há tempos afirmei, Sócrates e Relvas são sem dúvida os dois políticos que mais contribuíram para a crise moral, e de confiança, que o País atravessa. Uma crise que veio agudizar todas as suspeitas com que os cidadãos olham para as suas elites dirigentes e para o continuado fracasso da sua ação.

São casos que a radical mediatização dos nossos dias facilita. Nomeadamente, porque ela abriu as portas à irrupção de um novo tipo de político, que trocou o retrato de cidadão esforçado, reservado e responsável de outros tempos, por um perfil em que o traço dominante é, simplesmente, o da lata.

E essa lata, é o quê? É sobretudo a expressão de uma afirmação pessoal sem limites de qualquer ordem, que tudo arrasa no seu caminho, num júbilo mais ou menos histérico que dispensa qualificações ou convicções que não sejam de ordem psicológica ou comunicacional. Daí, naturalmente, a excitação voluntarista e a encenação estridente que sempre a acompanham.

A lata não é certamente um exclusivo dos políticos, mas tem neles um terreno de exceção. Ela aparece hoje como um traço específico do que alguns autores têm diagnosticado como a "nova economia psíquica" do nosso tempo. É isso que leva muita gente a ver neles verdadeiros mutantes, e a lamentar nostalgicamente que, na política, tenham desaparecido os verdadeiros líderes...

Mas seja ou não de mutantes que se trata, é preciso reconhecer que os "políticos de lata" estão em sintonia com muitas transformações do mundo contemporâneo, e que é por isso que eles suscitam inegáveis apoios e vivas controvérsias. Figuras maiores, bem ilustrativas deste fenómeno, são Sílvio Berlusconi ou Nicolas Sarkozy.

Como já há tempos afirmei, Sócrates e Relvas são sem dúvida os dois políticos que mais contribuíram para a crise moral, e de confiança, que o País atravessa. Uma crise que veio agudizar todas as suspeitas com que os cidadãos olham para as suas elites dirigentes e para o continuado fracasso da sua ação.

São sempre criaturas mitómanas, destituídas de superego e, portanto, de sentido de culpa ou de responsabilidade. Revelam uma contumaz incapacidade de lidar com a frustração, que é, como Freud bem ensinou, onde começam todas as patologias verdadeiramente graves.

Com eles, tudo se dissolve num narcisismo amoral, quase delinquente, que vive entre a alucinação de todos os possíveis e a rejeição de quaisquer limites. Eles estão pois muito em linha com o paradigma do ilimitado que tem anestesiado e minado o mundo nas últimas décadas.

A lata tornou-se, deste modo, num traço político muito frequente, que anima os mais variados, e lamentáveis, tipos de voluntarismo. Não admira pois que os políticos de lata se singularizem, não pela sua dedicação a causas ou a convicções, mas pelos intermináveis casos em que se envolvem e são envolvidos.

É também por isso que eles têm sempre que tentar voltar - foi assim com Berlusconi, é o que se tem visto com Sarkozy, chegou a vez de José Sócrates. Não resistem... e todos encenam, para disfarçar a sua doentia obsessão com o poder, umas travessias do deserto mais ou menos culturais... Berlusconi com a música, Sarkozy com a literatura e o teatro, Sócrates com a filosofia.

Mas o seu compulsivo "comeback" acaba sempre por se impor, porque ele é o tributo que eles têm que pagar à sua tão vazia como ilimitada mitomania. Com consequências, atenção, que já conduziram várias sociedades e diversos países às piores tragédias. Esperemos que não seja esse, desta vez, o caso - mas o aviso aqui fica!...
 
Comentário Zaratustra
Manuel Maria Carrilho tem um curriculo académico notabilíssimo e uma obra profícua a exigir melhor atenção. Dele guardava fraco conceito, na sequência da sua passagem pela Secretaria de Estado da Cultura e  de vários episódios de então que pareciam anunciar uma personalidade narcísica e fútil, como habitualmente sucede à generalidade da "Praga Académica".
Enganei-me! Perdeu o confortável cargo na Embaixada de Paris em resultado da dissidência que não se coibiu de expressar ao ver o Governo do seu partido conduzir o país para a insolvencia! A profundidade da análise que agora faz, sobreleva, de longe, tudo o que se escreveu a propósito da recente entrevista de José Socrates à RTP1, desenvolvendo a excelente crónica de Eduardo Cintra Torres acerca do mesmo tema. A ambos pois, tributo o meu respeito.
Há, porém, algo que nenhum deles referiu e que gostaria de acrescentar; Portugal tem que sair do círculo político vicioso em que se encontra, sob pena de acabar em protectorado. Precisa de caras novas, de ideias novas, de reconfigurar a estrutura do regime, de restaurar o conceito fundador da Nação.
Sócrates é a proposta de regresso ao passado; as mesmas ideias, a mesma atitude, o mesmo vazio, a mesma incompetência, a mesma frustração. Sómente a obcessão da vingança e da reconquista da hegemonia da Tribo Socrática, apesar dos efeitos nefastos que tal induziria no esforço titânico que os portugueses estão a fazer para sair do pântano onde se encontram.
Não obstante, há uma faceta positiva no regresso de Sócrates! A de proporcionar a clarificação política da sociedade portuguesa, sem a qual o país não avançará. A prática partidária de coexistência pacífica que tem sido seguida, gerou o lamaçal do bloco central, induziu nos cidadãos a falsa ideia de inexistência de diferenciação ideológica partidária e da inutilidade do seu voto perante nova forma de totalitarismo. 
Nessa clarificação caíu, em definitivo, um mito! O mito Mário Soares! O paladino da liberdade, da verdade, da solidariedade, da tolerância, do pluralismo! Não, essa imagem não corresponde à verdade! Mário Soares nunca passou de um menino mimado com permanente necessidade de ribalta, sempre financiado por outrem. A sua pátria, o seu legado, é o PS, por quem está disposto a tudo sacrificar, inclusivé a Nação, pela qual, diz, se bateu. O seu conceito de liberdade não vai além do PS! A ponto de considerar "brilhante" o desempenho televisivo de quem humilhou um povo honrado e orgulhoso do seu passado, agora condenado à subalternidade! Tal apreciação decorre, não do mérito do visado, que o não tem, mas do singelo facto de este pertencer à sua tribo, pela expectativa de acesso do seu partido ao poder.
Ostensivamente, despreza, Mário Soares, o sentimento de repulsa que Sócrates gera na generalidade da população, que o considera indigno das prerrogativas de um homem livre. Só um "canalha" enaltece outro "canalha"!
António Barreto

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