O 25 de Abril Visto da História
(Livraria Bertrand)
Diálogo entre José António Saraiva e Vicente Jorge Silva em 1976 sobre a atualidade política, em vésperas as primeiras eleições presidenciais
….Quando a burguesia portuguesa aposta no 5 de Outubro, quando acredita que a posse da máquina do Estado, a possibilidade de fazer decretos, lhe garante a possibilidade de resolver problemas que não foi capaz de resolver de outro modo, de maneira orgânica, transformando as relações produtivas na base da sociedade e roendo nesse processo os alicerces do mundo feudal, a burguesia portuguesa, dizia, acredita numa miragem. Com efeito, a posse do Estado é apenas a posse da arma legal – e a arma legal só tem utilidade quando corresponde ao ajustamento da lei a uma realidade que já existe.
Não me parece; a lei pode mudar a realidade, e, muitas vezes, muda. Não mudará as estruturas profundas do indivíduo nem de toda a sociedade; mas define e incentiva uma tendência que acabará por ocorrer, dependendo da relação de forças que entretanto se verifique, tratando-se de democracias. (nota AB).
…Depois do 25 de Abril vamos assistir a um processo muito semelhante ao que se observa durante a I República - e que constituiria uma nova expressão da incapacidade dos diferentes partidos políticos para assegurarem por si próprios a gestão da sociedade civil. ….Regressam em cheio os velhos mitos da burguesia republicana – os partidos lançam-se, outra vez, na conquista do Estado, acreditando que isso lhes venha a permitir a construção de um país à medida dos seus programas. E a conquista do Estado passa, primeiro, pela obtenção de apoios militares.
A este respeito, a penetração que o partido comunista e a extrema esquerda conseguem a certa altura no interior das Forças Armadas, e em particular do MFA, é um exemplo significativo. ...refira-se a Assembleia de Tancos - cujas conclusões foram (a enorme distância) mais decisivas que as de qualquer outra assembleia política civil…. (JAS)
…O advento da burguesia na História é marcado pelo surgimento de uma nova realidade: o internacionalismo. A problemática ganha uma nova “dimensão”. Os problemas deixam de ser locais, regionais ou mesmo nacionais para passarem a fazer parte de um todo que já tem pouco a ver com as nacionalidades. Este fenómeno é particularmente sensível na Europa industrializada e burguesa – onde o problema das fronteiras nacionais tem já pouco ou nenhum significado. …(JAS)
Uma perspetiva pouco percetível à época, à grande maioria da população, mas hoje bem evidente. Não sei se a origem desse internacionalismo é exclusivamente burguesa, julgo que há, também, um internacionalismo ideológico simultâneo; uma nova dicotomia em disputa pelo controlo global, geradora de revivalismos nacionalistas, desde logo na maior economia mundial, mas também em alguns países europeus, nomeadamente do leste.
…Proletariado e burguesia são duas faces de uma mesma realidade – de um mesmo mundo. E só no momento em que a burguesia, como classe dominante, conquista o Poder, é que o proletariado tem a oportunidade histórica de se definir – por oposição a ela e ao seu símbolo, o Estado -, organizadamente, enquanto classe. Até lá, proletariado e burguesia estão condenados a lutar lado a lado pela subversão das estruturas tradicionais. …(JAS)
Esta espécie de profecia não se concretizou, creio que pela asfixia da sociedade civil provocada pelo exacerbado centralismo estatal; a transformação das estruturas económicas tradicionais está a ser impostas pela União europeia e as sociais, atualmente, pelo governo de formação marxista, conjunturalmente comprometido com o pós-modernismo.
António J..R. Barreto
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