Benfica, um caso político
Capítulo 4
Há algo errado, sim. O Sport Lisboa e Benfica representa a
materialização microcósmica do projeto político do Estado Novo; o da construção
de uma nação pluricontinental e multirracial. O Benfica foi tudo isso, com a
particularidade do enorme sucesso desportivo em que derramou pelos relvados do
mundo a excelência da arte de jogar futebol suscitando o fascínio geral, até
dos adversários. Disso beneficiou o regime enquanto fator de propaganda do
Portugal imperial. Que saiba, o único benefício que o Benfica e os seus adeptos
e associados tiveram do regime de Salazar foi o do impedimento da saída do
Eusébio para Itália. Foi a visão e capacidade realizadora dos dirigentes do
Benfica a partir dos anos cinquenta - década em que o Sporting Clube de
Portugal dominou internamente com os seus famosos cinco violinos -, que
catapultou o clube da Luz para o galarim do mundo nas décadas de sessenta e
setenta.
Com o derrube do antigo regime em 74 e a ascensão duma democracia
minimalista, de matriz socialista, em 76, o Sport Lisboa e Benfica, é visto por
alguns setores políticos, como uma estrutura identitária conservadora, geradora
de resistências à difusão das novas ideias de reconstrução das estruturas
sociais, à semelhança do mundo rural, do catolicismo ou da família. A nova
matriz social - em marcha - implica o enfraquecimento dos elementos
estruturantes da “velha ordem”. Neste contexto um Benfica forte não é
bem-vindo. Pelo contrário, o seu enfraquecimento e a emergência do domínio
desportivo dos rivais, pretensamente, evidenciará, no âmbito desportivo, a
dinâmica do novo regime, pretensamente, rumo à prosperidade e à justiça social.
Fator político mais prosaico está relacionado com o assunto; a
regionalização, uma prescrição constitucional não realizada. É neste âmbito que
o Futebol Clube do Porto exerce uma missão de natureza política porventura
congeminada nos corredores do poder; a de definir geograficamente e socialmente
a Região Norte, agregando os cidadãos da zona em torno do clube e trilhando o
caminho do facto consumado, à “boa” maneira de Gene Sharp. Neste contexto, o Sport Lisboa e Benfica, com a força
agregadora que o caracteriza, representa o centralismo que urge enfraquecer.
Uma certa passividade das autoridades, forças de segurança e entidades administrativas
e judiciais locais, perante sucessivos casos de perturbações de natureza social
- ameaças, agressões e atos de vandalismo - por elementos ligados ao FCP, cria
na opinião pública o sentimento de que, para aquelas bandas, a ordem pública
tem natureza diferente da do resto do país.
Peniche, 10 de Maio de 2019
António Barreto
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