Quando no país se levantou um clamor geral de incredulidade e protesto
em consequência da aprovação no Parlamento, sem votos contra, da popularmente
designada “Lei da Censura” e posterior promulgação presidencial, pensei que
iríamos assistir a um novo caso no Benfica. E pensei bem! A 10 de Junho a
comunicação social anunciou uma ação judicial contra Filipe Vieira, onde se
pede a impugnação do último ato eleitoral do clube e a destituição da atual
Direção, movida pelo Dr. Jorge Mattamouros, um associado radicado nos Estados
Unidos da América, onde exerce advocacia. Logo de seguida eclode o escândalo
das alegadas denúncias da Câmara Municipal de Lisboa à embaixada da Rússia,
identificando as pessoas que se manifestaram publicamente contra a prisão de Navalny. De imediato é anunciada a
demissão do Presidente da Mesa da Assembleia Geral (PMAG) do clube, Dr. Rui
Pereira, ex-ministro da Administração Interna e destacado socialista!
Acredito que, em ambos os casos, se tenha tratado de meras
coincidências. Porém, coincidências do “arco-da-velha”! Pois se é verdade que o
Benfica foi vítima da estratégia de propaganda do anterior regime, também é
verdade que, no atual, tem sido usado como meio de diversão de escândalos
políticos e, por vezes, como instrumento de afirmação da suposta cultura “antissalazarista”
de alguns figurões da nossa praça. Coincidências sim, mas que fizeram um jeitão
aos envolvidos nos casos referidos, retirando-os da agenda mediática, ou, pelo
menos, relativizando a sua importância.
Analisando as situações referidas ao Benfica, concluo que ambas têm
origem na falta de senso com que a Direção do clube lidou com os protestos dos
candidatos vencidos no ato eleitoral. O voto eletrónico usado permitiu a cada
eleitor conferir, através do respetivo talão impresso, o seu voto antes de o
depositar na urna. Tendo sido levantadas dúvidas quanto à transparência do ato
eleitoral, deveria ter-se procedido à recontagem imediata dos votos impressos.
Ter-se-ia eliminado a contestação e restaurado a confiança e união dos
associados.
Para agravar a situação, quando os contestatários apresentaram ao
Presidente da Mesa da Assembleia Geral do clube (PMAG) as assinaturas que lhes tinha
exigido para a realização duma Assembleia Geral Extraordinária, onde pretendiam
levar assunto a discussão, depararam-se com inesperadas atitudes dilatórias. As
justificações que o Dr. Rui Pereira apresentou para a sua demissão fragilizaram
a Direção e adensaram as dúvidas sobre o ato eleitoral, minando a confiança dos
associados, adeptos e, eventualmente, patrocinadores.
Infelizmente, tudo isto ocorreu quando a Comissão de Inquérito da
Assembleia da República investigava o caso Novo Banco (NB), onde Filipe Vieira
figura entre os designados “grandes devedores”. Apesar de não constar qualquer
envolvimento direto do clube, a verdade é que, este acaba por ser arrastado nas
“trapalhadas” empresariais do seu Presidente, com risco de erosão da sua reputação.
Mas as complicações não acabam aqui; perante o que foi veiculado na
comunicação social, nasceram ou consolidaram-se uma série de suspeitas que
carecem de cabal esclarecimento. Uma delas tem a ver com alegado uso do Benfica
como colateral nos negócios entre o Novo Banco e o grupo empresarial de Filipe
Vieira; concretamente, terá o NB, em 2017- o ano do falhado “penta” -, exigido
ao Benfica a amortização da dívida de 100 ME como contrapartida pela
reestruturação da dívida e refinanciamento das empresas do Presidente do clube?
Terá este fator inviabilizado o reforço do plantel e contribuído para o
insucesso desportivo que se verificou?
Por outro lado, Já sabíamos que o Sporting Clube de Portugal tinha
beneficiado dos famosos VMOC - Valores Mobiliários Obrigatoriamente
Convertíveis - alegadamente, por parte do NB e do BCP - e de vários perdões de
dívida. O que não sabíamos e ficou claro na CI era que as empresas de Filipe
Vieira também tinham beneficiado de financiamento idêntico! Ficámos assim
esclarecidos da causa da ausência de protestos por parte do Benfica relativamente
às facilidades bancárias ao rival, que configuram concorrência desleal. Será
que as exigências foram mais profundas, chegando a impor uma desaceleração desportiva
do clube para permitir o refinanciamento dos rivais mercê de melhores
resultados desportivos?
Para agravar ainda mais a corrosão provocada pela dúvida, ficámos
igualmente a saber, em sede da CI, que Filipe Vieira entrou no Benfica por influência
do BES, banco que tinha assento no Conselho de Administração da S.A.D., tal
como Joaquim Oliveira! Banco este que, juntamente com o BCP, tinha congelado as
contas do clube no tempo da Direção de Vale e Azevedo, atirando-o para a
iminência da insolvência!
Aqui chegados, ponderando a escassez de títulos da equipa sénior de
futebol no Campeonato Nacional, o total descalabro nas competições internacionais,
onde se tornou irrelevante, o proclamado projeto de “refundação do clube” em
curso e o quase abandono do espaço público e institucional na defesa do clube,
têm os associados todas as razões para se perguntarem o que motiva Filipe Vieira;
se os interesses do Benfica, se os dos bancos, se os seus, se os dos rivais.
Afinal, se o B.ES. era o banco do sistema e se Filipe Vieira era o “homem
do B.E.S., então Filipe Vieira é o homem do sistema. E o sistema não quer um
Benfica forte como foi no passado. Quer um Benfica mais pequeno, conformado, resignado,
submisso, encomiástico. O sistema, por caminhos esconsos, quer fazer do Benfica
um exemplo do sucesso do regime “democrático”, a demonstração da antítese do
salazarismo.
Tal como no passado, o Benfica continua a ser vítima de manipulação
política.
Peniche, 21 de Junho de 2021
António Barreto
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