Uma Fenda na Muralha
Alves Redol
Poucos romances portugueses há sobre a temática do mar e dos seus povos. Este é um deles. Desenrola-se na Nazaré onde as aspirações dos pescadores, o seu dia-a-dia, as suas tragédias, as suas glórias, os seus amores, são relatados com perspicácia e vivacidade. O respeito e medo pelo mar, a compulsão do seu enfrentamento, das peripécias de gerações, o brio garganeiro, a âncora religiosa e da mulher que, na praia, vive todas as aflições e angústias da incerteza. Incerteza pelo pão, pela vida e pelo amor.
Uma ficção neorrealista - nas fronteiras do realismo mágico dada a exuberância e sucessão de episódios marítimos espetaculares - escrita num estilo gracioso e sintaticamente irrepreensível.
Um livro fascinante que me “agarrou” desde a primeira página e cuja história poderia ter ocorrido em qualquer outra praia. Pela minha mente, inevitavelmente, foram desfilando alguns episódios ocorridos na Praia de Buarcos, minha terra natal.
“Rolam corpos na proa. Todos estão cegos pelas paredes e pelo tecto de água que os envolve, Ah! Ti Zé que estamos desgraçados! Rezam e gritam, amaldiçoam e humilham-se. Manel cai sobre o motor e agarra-o, tapa-o com o corpo, como se a rabana não bastasse. Lembra-se daquela vez que o foram buscar ao mar, acima do casco virado de um barco da xávega e quase tiveram que lhe partir os dedos para o tirar de lá e trazer para terra.
O motor não deixa de trabalhar, martela, martela sempre, e ele incita-o, encosta-lhe o peito, como se o seu coração pudesse animar o coração do barco.
“Ah motorzinho valente! Leva-nos em bem, não pares…”
O perigo maior passara. Olham-se os homens lá em cima e o arrais benze-se. Mas nos seus olhos azuis vidrados há ódio pelo mar.”
Uma Fenda na Muralha
Alves Redol
Peniche, 13 de Agosto de 2023
António Barreto
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