Ética Republicana em Portugal (2)
Exultante o clarim da Guarda exibiu o sabre manchado do sangue de António Granjo, anunciando novas vítimas aos camaradas que impediam a saída do cadáver de Granjo para o Necrotério.
Com Abel Olímpio - o “Dente de Ouro” - e Manuel José Carlos no comando, a sinistra camioneta arrancou de novo, agora rumo a Santos.
O alvo era, agora, o Capitão de Fragata José Carlos da Maia, fundador da República e maçon - João Afonso, da loja Solidariedade de Lisboa.
Acusado de traição e cumplicidade no envio para África dos marinheiros rebeldes do 8 de Janeiro, Carlos da Maia fora deputado às Constituintes, governador de Macau e ministro da Marinha de Sidónio. E era era inocente.
Aresta Branco, um civil, era o Ministro da Marinha na época dos “crimes”. Carlos da Maia nem sequer fazia parte do Governo. A sede de vingança não compactuava com a verdade.
Constatada a ausência de Carlos da Maia do nº 13 das Janelas Verdes, os “justiceiros da república” arrancaram das mãos da ingénua Palmira Soares - criada da dona da casa que era também, madrinha de Berta Maia -, a nova morada do capitão-de-fragata, em Arroios, na Rua dos Açores nº 47, no 2º andar.
Maia, então com 43 nos, dizia à mulher - com quem casara no regresso de Macau e de quem tinha um filho, Francisco Manuel, de 6 meses - a sua pena por não terem casado mais cedo. Feliz, não suspeitava de que a sua vida estava a chegar ao fim.
Um ruído de botas e armas em atropelo fez-se ouvir na escada, dezena e meia de “valentes” entraram no apartamento, para, em nome da Junta Revolucionária levarem Carlos da Maia. Assim sentenciou o “Dente de Ouro”, afirmando não haver oficiais disponíveis para a detenção.
Berta Maia, chorou e suplicou, mostrando o filho, alguns marinheiros comoveram-se e queriam desisti mas o cabo não cedeu, mentindo duplamente ao afirmar ter sido deportado e que sua mãe morrera por via disso.
Berta, acusou-o de mentir e Maia, depois de sacudir o cabo quando este o tentara agarrar, decidiu acompanhá-lo para poupar a mulher, o filho e a criada, a enxovalhos. Num ato de complacência cínica, o “Dente de Ouro” convidou o capitão-de-fragata a despedir-se do filho.
Carlos da Maia, sem o supor, beija o seu menino pela última vez e entra na camioneta da morte sentando-se entre o motorista e Abel Olímpio.
“- Cá está o barbas de chibo”. É preciso liquidar este bandido, foi ele quem deportou os marinheiros!”, foi gritando Olímpio para a turba à chegada ao Arsenal.
O condutor, militar, combatente, depois de protestar recusando-se a ser cúmplice dum assassínio, prosseguiu a marcha sob ameaça de morte.
No túnel do Arsenal, ao cruzar-se com a viatura da Cruz Vermelha onde seguia o seu diretor - Afonso Ornelas - e o corpo de António Granjo, a camioneta pára, descendo Carlos da Maia.
Perguntou-lhe o capitão-de-fragata Luís Ramos a razão da sua presença. Dizendo desconhecê-la, Carlos da Maia foi de imediato insultado por um marinheiro, que, ameaçador, avançou na sua direção ante o seu olhar de indignação.
Levando a mão ao bolso simulando sacar da arma - que não tinha -, Carlos da Maia viu precipitar-se sobre si um bando de marinheiros que, barbaramente o agrediram à coronhada.
Caindo de borco na sala do telefone ao tentar escapar, José Carlos da Maia foi abatido com um tiro na nuca.
Cortês dos Santos e Carvalho Crato, oficiais da Junta Revolucionária, chegaram e repreenderam os assassinos
Estava consumado mais um ato da tenebrosa “ética republicana”.
Créditos a “Nobre Povo, os Anos da República” - de Jaime Nogueira Pinto
Peniche, 28 de Outubro de 2023
António Barreto
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