Quando vi pela TV a sessão na Assembleia da República acerca da violência no futebol, apesar de me ter parecido uma rábula "mal amanhada", acreditei que era verdade; perante a escalada de violência verbal, concertada, planeada, a que se assistia desde o início da época por parte de alguns dirigentes visando desacreditar o principal rival dos seus clubes, pensei que os mais altos dignitários do futebol e da Nação, dirigentes da FPF e deputados, tinham resolvido meter ordem no setor, criando instrumentos dissuasores de tais comportamentos. Enganei-me. Factos posteriores mostraram que se tratava, efetivamente, de mais uma rábula. Uma rábula para sustentar os violentíssimos ataques institucionais ao tal clube que tanto incomodava os rivais: o Benfica. É verdade. E sem pudor. Lembrei-me do episódio da bárbara agressão de um agente da autoridade a um adepto benfiquista perante pai e filhos, junto ao estádio de Guimarães, onde se desenrolava a partida que faria do seu clube virtual campeão. As agressões, excessivas, indiciavam uma qualquer patologia do agente. Provavelmente. Seguiram-se os trâmites legais, com avanços e recuos; inquéritos, acusação, julgamento, condenação e punição. Assunto encerrado. Julgava eu. Enganei-me; esse episódio é uma metáfora da forma como a administração pública vê a sua relação com o Benfica. A bateria de sanções, desportivas e judiciais que se abateu sobre o clube encarnado recentemente prova-o à saciedade.
Isto conduz-nos aos primórdios do 25 de Abril de 74 e à narrativa "antifascista" que, desde então, constitui um instrumento de combate politico, mas também económico e...desportivo. Quem viveu esse tempo, sabe o que foram os saneamentos; nas escolas, nas universidades, nas empresas; as ocupações selvagens de propriedades, casas e quintas. Uma época de excessos onde o romantismo se misturava com a violência e o oportunismo frutificava rumo ao futuro, que é hoje. O 25 de Novembro veio pôr alguma ordem no país proporcionando a realização de eleições para a Assembleia Constituinte, que elaborou a constituição que, com alterações entretanto introduzidas, tem regido o regime em vigor. Mas a narrativa do "fascismo" permanece. E a generalidade das elites políticas não sabem lidar com ela. Na realidade, têm pavor dela. E é este o contexto adverso com que o Benfica tem que lidar desde então tornando bem mais difícil e ingrata a sua tarefa. A ponto de muitos benfiquistas refrearem o seu fervor clubista para não "ofenderem" os adeptos rivais.
Construiu-se e alimenta-se a retórica de que o Benfica foi o clube do regime de Salazar, apesar de todos saberem que tal não corresponde à verdade. A História demonstra que o Benfica nunca foi subserviente ao Estado Novo, ao contrário dos seus principais rivais. Deixo isso para os historiadores, mas basta observarmos que a ascensão de Salazar se iniciou em 1926 e que o Estado Novo foi instituído com a constituição de 1933. Ora o domínio do Benfica no futebol iniciou-se a partir de meados dos anos 50 até meados doa anos 80. Portanto, entre 1926 e 1955, quem prevalecia no futebol nacional era, salvo o erro, o Sporting! O que sucedeu foi que, o Benfica, nos anos 60, alcançou projeção mundial, com uma equipa plurirracial e pluricontinental e isso era do interesse de Salazar, pois simbolizava o tipo de sociedade com que sonhava; uma sociedade plurirracial de sucesso. E foi nessa medida que, involuntariamente, o Benfica serviu os interesses do Estado Novo; tornando-se uma das melhores equipas da história do futebol. E é isso que não lhe perdoam.
Ainda recentemente, Pinto da Costa, designou por "Liga Salazar" a mais recente ganha pelo Benfica. Um insulto soez ao rival, mas, sobretudo, à tutela desportiva e, em última instância, às instituições da República. Que saiba, ninguém, em nome de qualquer daquelas instituições, protestou. Diz o bom povo que "quem cala consente". Um sinal de fraqueza.
E é aqui que se estabelece uma diferença vital entre o atual Porto e o Benfica; aquele, tem dimensão política, o Benfica não; aquele, faz parte duma estratégia de poder político local e este ocupa-se exclusivamente de desporto. O Porto emerge como uma superestrutura de certas elites económicas e políticas da cidade, cabendo-lhe o papel de desafiador do centralismo lisboeta projetado no Benfica. Ao desafio desportivo sucede o desafio policial e judicial; os superdragões praticam, incólumes, há décadas, atos censuráveis, com o propósito secundário de ostentar a não obediência às leis da República. "Aqui mandamos nós", é a mensagem. O mais grave é que tal comportamento aparece publicamente respaldado nas forças de segurança, nas magistraturas judiciais e nos tribunais. Este é o caminho que vem sendo trilhado desde os anos oitenta, com a cumplicidade das forças políticas que preconizam a regionalização nos seus programas. Um erro grave; misturar política com desporto, só prejudica o debate. Os méritos da regionalização ficam prejudicados pelo envolvimento de figuras sinistras e pela restrição à cidade do Porto, afastando grande parte dos cidadãos. Não é a Cidade do Porto que carece da regionalização, é o país.
Esta realidade tem desequilibrado a relação de forças institucional entre os dois clubes e assim permanecerá até que os dirigentes do clube encarnado tenham o engenho de fazer valer o seu poder social perante os agentes políticos do pais.
Proibidos estatutariamente de desenvolver atividade política, os clubes têm todo o direito de questionar os vários atores da vida pública acerca dos seus projetos para o desporto, cotejá-los com as suas próprias ideias e informar os seus adeptos dos casos de conformidade ou desconformidade.
Mais, os dirigentes do Benfica têm hoje fundamento para questionar publicamente os órgãos de soberania bem como os diretórios partidários acerca das suas intenções relativamente ao clube. É tempo de dizerem se continuam dispostos a ser cúmplices da perseguição a que o clube tem sido sujeito cuja intensificação tem acompanhado o seu sucesso desportivo. Os adeptos do Benfica querem saber em que regime vivemos.
Peniche, 21 de Agosto de 2018
António J. R. Barreto
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